terça-feira, 24 de novembro de 2009

um certo adeus.

Tirei uma foto bonita esses dias. Me posicionei frente a uma vidraça embaçada de minha casa, na verdade do quartinho onde vivo há alguns meses sem meus pais, é meio triste, me sinto às vezes só, quase sempre, é o que tenho sentido, tristeza e solidão, mas acabei me acostumando, uma hora temos que sair de casa, alcançar a tão sonhada liberdade, atingir a tão cobrada responsabilidade, é o que dizem, nem acredito muito nisso, os ditos experientes se deixam tomar por tanta ignorância, por tamanha tradição, não sei se são mesmo responsáveis ou livres, na verdade acho até que são presos, enjaulados em falsas virtudes, escondidos por trás de hipocrisia e falta de fé, eu não sei bem, mas tenho sido tal como eles ultimamente, presa, em liberdade plena, hipócrita e de uma irresponsabilidade difícil de se medir. Me dói. Mas não era disso o que eu falava. É que me perco. Falava da foto. Frente a vidraça, câmera nas mãos, o embaço, eu e só. Fui então revelar aquilo. E foi curioso. É que revelada a foto, só o que vi foi você. Olhando pra mim, bela e pouco feliz. Colei-a na porta de um guarda-roupas velho pra que todo dia, ao acordar, eu possa olhar pr'aquilo. Sou eu me dando uma chance. É que sei que quando eu puder ver a mim, só eu, aquela vidraça, o embaço, sem que você se faça ali, viva, quando isso acontecer, eu como minha imagem, saberei que o sentimento está morto. E que estarei livre. O problema é que aquele guarda-roupas já não fecha as portas, eu já não durmo, o tempo passa, e a foto perde a cor, ganha um tom amarelado, igual ao meu sorriso, amarelo e pouco feliz, e eu que jurei não mais te escrever estou aqui, toda noite, colocando em cada frase uma palavra sua, pedindo a Deus pra que você não leia, ou que pelo menos pra que pense que o que escrevo não é seu, mas sabendo que no fundo você lê, e sabe o que eu não queria que soubesse, que o que eu sinto é mesmo amor, e eu não queria que soubesse, é humilhante, não queria porque você está ai, passando os olhos por essas linhas, sem se emocionar, sentindo talvez pena, achando talvez graça, aproveitando talvez essa sensação. E você nada faz, passa por mim e já nem me olha, talvez me leia como lê as linhas, sem emoção, sentindo talvez pena, achando talvez graça, e eu não quero migalhas, não quero que sinta pena, que me considere uma piada, mas é que continuo a pensar em como seria você, em como seria ter você, e volto a te escrever, volto a desejar, volto a encher meus olhos de lágrimas e esperança, volto a olhar pra foto, vejo você, mas agora seu sorriso já aparenta uma certa felicidade, parece até que você está com um outro alguém, e eu espero que esteja, espero com toda a força que ainda me resta, quero te ver bem, ver não, saber que está bem, ver já é doloroso demais, e eu não sou forte assim, a ponto de te ver sem que eu possa te tocar, pelo menos um abraço, nem isso nos damos mais, mas ai eu penso em alguém te dando as mãos, te levando pra passear no parque, penso nesse outro alguém acariciando seus cabelos enquanto você desabafa coisas que eu nunca vou saber, ai eu me viro, deito, tento dormir e mais uma vez não consigo, é meio triste, me sinto só, é só o que tenho sentido, tristeza e solidão, mas acabo me acostumando com esses olhos fundos, com essas olheiras que condenam o meu pesar, acabo me acostumando, um dia temos que admitir a tão temida perda, um dia eu aceito que nunca tive você, e que nunca terei, nem acredito muito nisso, mas deixa eu fingir, é mais fácil, e ah, seja feliz, mesmo, faça isso por mim, já que não pode ser feliz aqui, comigo, me prometa que ficará bem, prometa e depois desapareça, nem que seja por pena, mesmo que ache graça, desapareça, da minha rua, da minha vida, das minhas frases tortas e confusas, da minha foto na vidraça. Desapareça. Está me entendendo? Quero que vá embora. Me dói. Mas quero que vá. É que enquanto você fica eu me perco, e a pouca força que eu tinha você levou, e agora eu sou covarde, só, e pouco feliz. Amanhã ao acordar não vou olhar a foto. Amanhã não colocarei uma única palavra sua em minhas frases tortas. Amanhã só o que fica na fotografia é o embaço. Nem mesmo eu apareço ali. É que sou fraco demais pra me ver sem que te veja. É melhor mesmo que eu também desapareça. É mais fácil assim. E se eu voltar a te escrever, me desculpe. É que você está entranhada em tantas coisas que fica mesmo difícil pra mim. Prometo tentar. Então adeus, combinamos assim? Pelo menos por hoje. Adeus.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

só um detalhe.

Até a perfeição peca em detalhes. Eu não sei se saberia explicar, mas devo mesmo dizer que é maravilhoso sentir que amanhã tudo acaba, que nem só beleza se vê, e que o gosto disso é doce e que somos nós que o fazemos amargo. Essa mania de querer ter asas sem ao menos poder pisar no chão, essa mania amarga. Temos o que se há pra ter, e basta. Tem que bastar. Outra vez me lembro dela. Que mania a minha! Daqui a pouco tento esquecer, mas daqui a pouco. Agora é cedo demais.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

pra mim.

Eu estou me afogando, em suor.
Eu estou me queimando, em dor.
Eu estou me lavando, em lama.
Chega de arder,
chega!
Pra mim chega.
Eu ando em mares, sem porto.
Eu ando em poços, sem fundo.
Eu ando em ruas, sem sinais.
Chega de pressa,
chega!
Pra mim chega.
Eu me vingo, por insegurança.
Eu me deixo, por tédio.
Eu me mato, por falta do seu amor.
Chega de cartas,
chega!
Pra mim chega.
Eu me descubro, em detalhes.
Eu me ensino, em lixo.
Eu renego, em espera.
Eu espero.
...
E espero.
...
Espero.
E chega,
chega!
Pra mim.
Chega?

terça-feira, 10 de novembro de 2009

eu e ela.

Ela ainda estava ali, à porta, esperando pelo instante em que pudesse entrar. Entraria para dizer a verdade. Já se esgotara da mentira. Se preparou de forma a recordar. Pensou em todas as vezes em que mentiu. Omitiu. Traiu. Nas vezes em que se fez fantasia, mascarada. Lembrou-se do que diziam-lhe sobre o momento em que dormia. Sempre a disseram que, enquanto entregue aos sonhos, falava. Sim, conversava como quando desperta. Mas dormia. E nessas horas sempre dizia a verdade. Era esse o momento em que esquecia-se de mentir. Quando dormia. E o pior é que há tempos não sabia o que era dormir. Já nem sabia há quanto. Mas será possível, ela pensava, que não podia ser verdadeira de pé? Acordada? Precisava esvair-se do mundo, em sono profundo, pra que fosse ela? Não um personagem. Ela? Não se devia ser assim, ela concluía, alguém que se permite viver uma vida de mentiras em sol. Uma vida de verdades em lua. Queria mais. Queria ser ela, dela. E de mais ninguém. Queria amar quem fosse, a quem fosse. Aquém a qualquer opinião. Ao julgamento do credo. Queria deixar de querer convencer; de ser o que não era. E nem poderia. (Ouvindo passos vindos de dentro). Era agora, ela se encorajando, agora abriria aquela maldita porta e gritaria em calma o que lhe viesse. A quem lhe viesse. Faria com que a vissem. Queria se fazer enxergar em luz. Em claro clarão. (Ouve passos que se aproximam, vindos de dentro). Chegada a hora. (Chaves,...,tranca,...,fechadura, e... abriu!). -Era a porta de um espelho. Abrira pra si mesmo. Para ver-se. Contemplar-se. Entender-se. Faz um embaço, desenha letras de forma a construir-se. Identificar-se. Conhecer-se. Há tempos andava tão distante de si! Que já nem sabia há quanto. Quando dizia a mentira era quando lhe faltava o cansaço; quando dizia a verdade era quando lhe sobrava a insônia. Porque estava só. E já não precisava mentir. Omitir. Trair. E já não se precisava fazer em fantasia, mascarada. Porque ela? Ela era eu! E eu sabia disso agora! Era eu! O tempo todo fora. Eu. Mas será possível, pensei, que precisava esvair-me do mundo, em desespero profundo, pra que fosse eu? -Não um personagem. Eu? Não devo ser assim, eu concluindo, alguém que se permite viver uma vida de mentira em sol. Uma vida de verdade em lua. É pouco. Quero ser eu, somente eu. Não ela. Quero amar quem for, a quem for. Aquém a qualquer opinião. Quero deixar de querer convencer; ser eu o que não sou. E nem poderia. (Ouço passos, vindos de meus próprios pés). Era agora, eu me encorajando, agora fecharia aquela maldita porta e me acalmaria após gritar a mim. -Ei! Está vendo? Ouvindo? É você! Não tenha medo de si! Enfrente-se! Conheça-se! Permita-se! Seja si! Você pode enxergar em penumbras! Em plena escuridão! Deixe logo de criar-se e recrie-se! (Chaves, tranca, fechadura, e... fechei!). Ali, dentro daquela imagem, tranco o que antes só me sabia acompanhar. Dali, daquela antiga imagem, não posso ver-me. Nem poderia. É que sei, que se ali ficasse, estaria fora do limite. E nem teria margem. Só imagem. E isso não me basta. Quero imagem. Corpo em margem. Alma. E muita fé.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

enquanto só.

É engraçado pensar no quanto eu já quis. Quis ser tudo. Ter tudo. O mundo era pequeno pro que eu tentava abraçar. Me interessava por história, arte, política, música, futebol, culinária. Tanto quis que pouco conquistei. Eu era do tipo que precisava encontrar alguma coisa em que eu fosse especialista. Genial, com o perdão da pretensão. Era de grande relevância pra mim; ser um ser que é, tem e sabe. Tentei pintar, fracassei. Com os números, me descobri medíocre. Na música, era mais um frustrado. Meus cruzamentos eram falhos e os ovos fritos nunca ficavam inteiros. Fingia interesse por obras literárias medievais, artigos científicos, pingüins. Sem mais o que tentar saber, já desistindo de ver o toque em uma pintura qualquer de museu, decidi encarar a falta de talento que sobra em mim. Bem, não era como eu queria. Como seria maravilhoso ser um alguém que se sobressai por natureza! Sem esforço. Sem suor. Sangue. E lágrima. Bem estaria se tivesse um dom. Foi ai que comecei a escrever. Como que para fugir da realidade. Como que para poder desabafar em plena solidão. Como que para tentar desvendar o todo. Como quem analisa e busca compreender o som do próprio pensar. Quando escrevo é quando posso falar com meu próprio eu. Não é incrível isso? Você ali, depois de mais um dia de rotina e tédio. Sozinho. Conversando com a pessoa que mais pensa te conhecer. Você. Você, que na verdade sabe é nada. Diz saber tudo e sabe é nada. Nada! O que você sabe sobre você? O que eu sei sobre mim? Era essa a resposta que eu buscava quando escrevia. Era tudo o que eu precisava realmente conhecer. A mim. E comecei a entender. Talvez tenha começado a me ouvir. No mais íntimo. -Por isso cá estou, escrevendo. Todos pensamos ser singulares, mas o que há de singular em conhecer pessoas, viver paixões, sentir tristeza e raiva e felicidade e medo e preguiça e saudade e fome e sede e frio e sono? O que há de singular em ser um ser que busca ser livre e se tranca e se curva e se fecha e se destroi e se morre? O que há de singular em um gozo em um choro em um poema escrito num pedaço de papel? O que há de singular em amar um alguém que não se deve amar? Somos todos iguais. Em dor, em mistério, em segredo. Dizem que destino existe, que acaso existe, que existe gente de sorte e de azar. Passei a duvidar disso, há pouco. É que comecei a considerar a possibilidade de que exista somente a vida. E que ela nos é dada para ser vida. E vida é dom. Viver é para gênios. E gênios também morrem. Choram. Riem. Sentem medo. Não há mal nenhum em tudo isso. Não há nada de peculiar em ser um igual. Porque todos somos uma vida que vive pra depois morrer. E agora vejo o quanto é maravilhoso ser um alguém que se sobressai após esforçar-se a ponto de derramar sangue. Suor. E lágrima. Como é bom saciar a fome, matar a sede! Como é bom se sentir num dia de sorte! Pensar que conheceu alguém por força do destino! E amar esse alguém; mesmo que ele não te ame. Como é gostosa a preguiça, a saudade, a noite de sono! Como é bom crer, perdoar, ter fé! Como é prazeroso um dia de frio, livros, amigos, roda e violão! Como é bom sentir-se essencial, único, um-segredo-prestes-a-se-revelar. Como é bom dar valor aos pequenos detalhes! Agradecer por um segundo qualquer. Como é bom ser igual em dádiva. E em certeza da incerteza que é a data do fim. Todos somos iguais. Geniais pelo dom de viver. Todos. E o talento? Ah, o talento deve estar no óbvio. No que aos poucos perde a relevância por parecer tão normal. É que a gente se esquece de que melhor do que procurar ser especial, é procurar o que há de especial em cada coisa. Seja mínima. Um espreguiçar. Um banho. Um almoço em família. Uma demonstração de afeto. O talento deve andar por entre a força com que se encara vida e morte. Azar e sorte. Medo e coragem. É engraçado pensar no quanto eu já quis. Quis ser tudo. Ter tudo. Hoje o mundo é grande demais pro meu abraço.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

eu camaleão.

Preto estava.
Tentei trocar a cor,

camuflar um dinamismo,
disfarçar meu eu.
Pintei-me em azul.
Verde.
Roxo.
Marrom.
Tentei o vermelho,
ele me negava.
Não me queria pintar.
A paixão que dá essa cor já estava morta.
O sangue quase que amarelo sobe ralo.
Bem ralo.
O beijo é frio.
Tonaliza em tons frios.
E mudos.
Feito desvairado agora;
azul, verde, roxo, marrom, sangue amarelo, paixão morta.
Nada de vermelho.
Nada de me pintar.
Melhor mesmo voltar a ser preto.
E branco.

um rock'n roll.

-Café?
-Sem açúcar.
-Música?
-Gosto de rock.
-Cigarro?
-Guarde para depois do sexo.
-Então faremos sexo?
-Faremos.
-E quando será?
-Antes mesmo do último cigarro.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

3x4.

Eu aqui, remexendo em coisas velhas, tentando talvez encontrar o apalpar daquilo que há muito só vaga e se esconde por trás de uma vidraça que permite ver o que não se pode tocar, tentando talvez me esconder em meio a velhas entranhas, tentando talvez me fazer viver, talvez pelo simples fato de existir um talvez, talvez porque eu soubesse que encontraria sua foto. Uma linda foto que um dia você me deu; (daquelas que se tira quando criança e se guarda pra depois ver que o olhar não é mais tão puro; que o meio sorriso não se contém; que os cabelos são tal como eram quando você nasceu). Uma linda foto. Retirei mais alguns trapos... Uns bilhetes de amores de infância, papel de bala, flor, clips, dente de leite, palito de picolé, coleção de selos, postais... seu retrato. Estava ali, ainda virado, como quem não quer se mostrar. Mas eu sabia que era o seu retrato; sabia porque era o único que eu havia guardado naquela caixinha de lembranças-pensamentos. -Sim, lembranças ou são lembranças-pensamentos, ou são lembranças-lembranças. Há sempre aquilo que você se lembra com tamanha força, com tamanho sentimento, com tamanha concretude, que acaba por ignorar o caráter efêmero que todas as coisas deveriam ter, e têm. Mas você não as permite. -Digo você, mas eu não as permito. Essas coisas, essas lembranças, essas que você não deixa de tentar tocar, dessas que te arrancam um sorriso e depois te escapam uma lágrima, essas são as lembranças-pensamentos. As outras você só se lembra em alguma data, não deseja reviver. E a sua foto estava naquela caixinha. A de 'lembranças-pensamentos'. Peguei aquilo com tamanha dor, com tamanha ira, com tamanho medo. Virei aquilo com tamanho receio. Olhei aquilo com tamanha culpa! Culpa de estar olhando. Culpada por desejar mais uma vez, culpada por te amar mais uma vez. Guardei aquilo. Nessa hora eu pensava: 'É só uma foto. Ela não está aqui. Você já estava se curando. Não beire ao precipício. Controle-se. Ela não vai voltar. Acalme-se. Muita calma. Calma.' Fechei aquela caixa com tamanho desespero! Fechei pra depois abrir como um selvagem, pra atirar todas as lembranças e descartar todo o passado. Peguei o retrato com tamanha fúria! Desfiz com fogo cada bilhete, cada selo, cada parte de seu rosto em imagem. Daqui pra frente quero te lembrar em uma data, quero não te desejar reviver. Quero-a morta em pensamento. Quero tê-la apenas como lembrança. Uma velha memória do que não de fato aconteceu.