sexta-feira, 6 de novembro de 2009

enquanto só.

É engraçado pensar no quanto eu já quis. Quis ser tudo. Ter tudo. O mundo era pequeno pro que eu tentava abraçar. Me interessava por história, arte, política, música, futebol, culinária. Tanto quis que pouco conquistei. Eu era do tipo que precisava encontrar alguma coisa em que eu fosse especialista. Genial, com o perdão da pretensão. Era de grande relevância pra mim; ser um ser que é, tem e sabe. Tentei pintar, fracassei. Com os números, me descobri medíocre. Na música, era mais um frustrado. Meus cruzamentos eram falhos e os ovos fritos nunca ficavam inteiros. Fingia interesse por obras literárias medievais, artigos científicos, pingüins. Sem mais o que tentar saber, já desistindo de ver o toque em uma pintura qualquer de museu, decidi encarar a falta de talento que sobra em mim. Bem, não era como eu queria. Como seria maravilhoso ser um alguém que se sobressai por natureza! Sem esforço. Sem suor. Sangue. E lágrima. Bem estaria se tivesse um dom. Foi ai que comecei a escrever. Como que para fugir da realidade. Como que para poder desabafar em plena solidão. Como que para tentar desvendar o todo. Como quem analisa e busca compreender o som do próprio pensar. Quando escrevo é quando posso falar com meu próprio eu. Não é incrível isso? Você ali, depois de mais um dia de rotina e tédio. Sozinho. Conversando com a pessoa que mais pensa te conhecer. Você. Você, que na verdade sabe é nada. Diz saber tudo e sabe é nada. Nada! O que você sabe sobre você? O que eu sei sobre mim? Era essa a resposta que eu buscava quando escrevia. Era tudo o que eu precisava realmente conhecer. A mim. E comecei a entender. Talvez tenha começado a me ouvir. No mais íntimo. -Por isso cá estou, escrevendo. Todos pensamos ser singulares, mas o que há de singular em conhecer pessoas, viver paixões, sentir tristeza e raiva e felicidade e medo e preguiça e saudade e fome e sede e frio e sono? O que há de singular em ser um ser que busca ser livre e se tranca e se curva e se fecha e se destroi e se morre? O que há de singular em um gozo em um choro em um poema escrito num pedaço de papel? O que há de singular em amar um alguém que não se deve amar? Somos todos iguais. Em dor, em mistério, em segredo. Dizem que destino existe, que acaso existe, que existe gente de sorte e de azar. Passei a duvidar disso, há pouco. É que comecei a considerar a possibilidade de que exista somente a vida. E que ela nos é dada para ser vida. E vida é dom. Viver é para gênios. E gênios também morrem. Choram. Riem. Sentem medo. Não há mal nenhum em tudo isso. Não há nada de peculiar em ser um igual. Porque todos somos uma vida que vive pra depois morrer. E agora vejo o quanto é maravilhoso ser um alguém que se sobressai após esforçar-se a ponto de derramar sangue. Suor. E lágrima. Como é bom saciar a fome, matar a sede! Como é bom se sentir num dia de sorte! Pensar que conheceu alguém por força do destino! E amar esse alguém; mesmo que ele não te ame. Como é gostosa a preguiça, a saudade, a noite de sono! Como é bom crer, perdoar, ter fé! Como é prazeroso um dia de frio, livros, amigos, roda e violão! Como é bom sentir-se essencial, único, um-segredo-prestes-a-se-revelar. Como é bom dar valor aos pequenos detalhes! Agradecer por um segundo qualquer. Como é bom ser igual em dádiva. E em certeza da incerteza que é a data do fim. Todos somos iguais. Geniais pelo dom de viver. Todos. E o talento? Ah, o talento deve estar no óbvio. No que aos poucos perde a relevância por parecer tão normal. É que a gente se esquece de que melhor do que procurar ser especial, é procurar o que há de especial em cada coisa. Seja mínima. Um espreguiçar. Um banho. Um almoço em família. Uma demonstração de afeto. O talento deve andar por entre a força com que se encara vida e morte. Azar e sorte. Medo e coragem. É engraçado pensar no quanto eu já quis. Quis ser tudo. Ter tudo. Hoje o mundo é grande demais pro meu abraço.