quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

alta madrugada.

Eu pensava em alguma música
que desse compasso aos cacos 
e me calava ao som de nenhuma

O barulho que me vinha
era o da estrada
como se ela estivesse partida
e dissonante

Eu bebo conhaque puro
e ainda perguntam-me
como eu aguento

Preocupo-me em ser pertinente
mas a única resposta
que me vem em mente
não responde pelo destilado

A música insiste em não tocar
as peças não se juntam
e o som agora é o das teclas

Eu persisto no risco
sem de fato saber aonde leva

Talvez chamem de coragem
talvez chamem de loucura
essa tal estrada
que compreende a minha dor

Mas o choro é sangue
que sai pelos olhos
e pulsa no peito 
em uma disritmia
ao silêncio que insiste

Como posso...

Ah, se você percebesse...

J.V.Kaisen

sábado, 14 de fevereiro de 2015

desidium.

Perguntando-me 
se há limite para o desejo
não para o que se deseja
eu digo limite para
o desejo

E essa voz que se pergunta
às vezes percebo ser minha
dai vejo que não

O desejo fala por si
e também deseja  
saciar cada gosto
do quarto 
agora  
escuro 
e silencioso

O desejo fala por si
e também deseja  
a eternidade do momento
único
que faz do beijo lágrima
e pinta os lábios
desse meu ser 
"finito" e "imperfeito"

Ainda perguntando-me
já quase insatisfeito
com o que essa voz 
que agora é a minha
responde apenas na cabeça

E a dor que me dói
tem apetite

E a insônia que me cansa
tem sono 
e não dorme

E o corpo frágil
anseia proteção

O dia raia de novo
e eu mais uma vez acordo
pensando nos próximos desesperos

Os entrelaços
são os que mais me condenam
e eu sofro 
sozinho e calado
pelo que se perpetua
em rimas que não estão sós

A tristeza me faz jurar
que cada passo é festa

E que se existe música 
então que se dance

E que se existe amor
então que se ame

E que se existe sentido
então que se vá para frente

E que se existe gente
então que se respeite

E que se existe fé
então que se renove

E que se existe esperança
então que se faça o esperado

E que se existe a possibilidade
então que se mude

E que se existe o encontro
então que se marque

E que se existe o desejo
então que se queira.

J.V.Kaisen




sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

para-brisa.

"Não precisa falar, nem saber de mim. 

Instantes acabam com a eternidade." 
                                    6minutos - Otto.


Essa música diz tudo. 

Um instante apaga o infinito. 

Esquece-se até do que se vê nos olhos.

As palavras dizem mais.

Mais que os olhos.

Isso é tão triste.

"E você me falou..."

E nem foram letras 

o que você disse.

Foram olhos 

o que você me deu

de mais bonito

de mais sincero.

Eu não sei

eu não sei

e nem vou saber

o motivo de tanta coisa.

Mas eu estou de porre.

Não me resta quase nada.

E essa solidão

só me faz mais confuso

pelos estragos

que me doem

e ainda mais confuso

pela eternidade

que nem sabe de mim.

O quarto sem luz alguma.

E um nó 

que me impede

as lágrimas.

E eu sinto que 

quando elas vierem

vai ser temporal.

Que seja.

Hoje é preciso 

que eu ainda reste.



           
 J.V.Kaisen


terça-feira, 2 de dezembro de 2014

procura-se.

Eu estou desaparecido. Porque sequer existo de fato. Não sabem meu nome. Meu endereço muda constantemente. Eu queria entender como é possível viver. E, ainda que não entenda, eu sei que é. Eu tento voar no que sinto ser relevante. Às vezes tenho medo de cair por não ter asas. Meu corpo dói. Mas minha alma está suave. Como o chá. Faz um certo frio. Nada que eu não sinta com os fantasmas que rolam em meus espaços. Arrepio tenho na nuca quando eles passam. Quando a tocam, doidos. Até quando eu permanecerei tocado? Será que é possível me livrar desse arrepio vindo dos outros? E vindo dos meus fantasmas? Esse arrepio que me faz ficar arrepiado frente à indiferença. Que julga, condena, e pouco se importa. Mais que isso: até quando é possível fingir ser o que não se é? Eu quero dizer a verdade, sendo-a. E mostrando-a para essa sociedade que tanto cobra valores, sem segui-los. Para essa sociedade que tanto se diz sem preconceitos e mata por intolerância. Que prega amor, e odeia. Que não quer o capitalismo, mas se recusa a dividir o pão. Que diz ser de fé, e faz guerra em nome de Deus. Tudo é mentira. Até a verdade. E eu digo isso porque sinto que nem mesmo o que me sustenta diz o que carrega. Não sou modelo de referência. Tampouco tenho pretensões de sê-lo. O que desejo é tão simples. É que seja aceito, sem rótulos e hierarquias sociais, tudo o que existe. Tudo o que é diferente. Sonha a minha razão, eu sei. E se desfaz em lágrimas emocionais, admito. Às vezes eu me levanto sem ter motivo. Mas me lembro do quanto é bom saber que ainda existem possibilidades de valores e sentimentos 'epifânicos'. É importante compreender a essência. E as pessoas são capazes disso. E é por isso que eu quero mudar. E é por isso que eu acredito que seja possível. Façamos a tal mudança. Que essa estrada de desaparecidos, onde eu me incluo, seja resgatada. Que essas minorias que nela se encontram caminhando sejam resgatadas. Para o lugar que as pertence; o mundo, as boas relações, a vida. Que se tenha lógica a lógica do sistema.
J.V.Kaisen

terça-feira, 25 de novembro de 2014

diz que fui por aí.

Eu quero cantar como Nara costumava: 

"Se alguém perguntar por mim, diz que fui por aí, levando um violão debaixo do braço... Em qualquer esquina eu paro, em qualquer botequim eu entro, se houver motivo é só mais um samba que eu faço." 

É viver realmente a vida. É deixar sentir as satisfações e dores e medos e anseios e desejos e tudo que se ergue lado a lado no espaço interior que fica no peito. Eu por um segundo perdi a palavra 'fica' do foco. No texto. Na minha contraditória estrada que leva a um lugar que eu não sei se existe. Se alguém já foi. E... Eu sinto que há muito muito muito pra se fazer. No que me faz ficar de pé. No que faz o mundo não desabar, tonto, de tanto dar voltas. Eu acredito que é possível ser o que se de fato é. E viver o que se de fato é a vida. Fazendo samba de tudo. Eu não quero me contentar e nem ter que me contentar com rótulos e preconceitos sociais. Eu estou farto. De tudo. Eu agradeço cada momento que vivi vivo viverei e espero que sejam muitos esses momentos nessa contraditória estrada que me leva e eu aceito a carona de seguir. Pra deixar sentir as satisfações e dores e medos e anseios e desejos e tudo que me fará realmente erguido no interior. Eu sinto que eu... eu ainda não sei onde é esse lugar. Se ele existe. Mas eu desejo que sim. Que isso também seja possível. Assim como a mudança que vem aos poucos e acelera e me vejo numa hora no fim dessa estrada chegar. E que a contradição seja plena. Seja sereno o refúgio do meu espírito. E de todos que aqui nesse imenso lugar que eu nem sei se existe estão. Eu respiro. Dou um trago. Bebo água na temperatura ambiente. E  o lugar é quente. A luz fluorescente. E o meu peito palpita em imaginar que essas coisas possam acontecer, as mudanças, no mundo, nas pessoas, no meu corpo. E o meu peito palpita em imaginar que esse lugar existe. Que talvez as pessoas sejam boas. E que os meus animais são muito mais inteligentes que eu. Eu fui a um Sarau e uma artista preta muito bela e desenvolta dizia a todos: "Vocês podem me ouvir?". O engraçado é que parecia querer saber se o tom de voz estava adequado. Mas o que ela queria saber é se as pessoas estavam entendendo o recado. "Vocês... podem me ouvir?" Ela repetia pra esclarecer que ela queria era ser entendida porque escutada ela já sabia que era. E eu, quando escrevo, sinto-me assim. Querendo deixar escancarada a catarse na poesia. Como aquela guria. E agora, em plágio declarado, eu pergunto: Vocês podem me ouvir? Eu sei que sim. E foi isso mesmo o que eu quis dizer. Vocês podem me ouvir. 

J.V.Kaisen

sábado, 22 de novembro de 2014

se eu peco é na vontade de ter.

Eu não ligo pro sentido. O silêncio da sentença se faz voz nos olhos. E são doces as minhas sentenças. Ora, amargas. Tudo depende do alento, do que se coloca, se é frase ou castigo. Pode ser letra, pode ser a minha vida. Ou a combinação de ambas. Como pode o silêncio dizer tanto? Não há nada aqui. E tanto dito. Tanto escutado. As lágrimas escondidas no rio que é o meu sangue. Vermelho. Que se apaixona e faz o máximo pra ser de esquerda. E pulsa. Na batida de uma malemolência pouco familiar. Que bonito. O que eu escuto. Sem que haja alguém aqui, -repito. E o que sinto. Ainda que só. O fio do novelo se move como a sua cintura. E o fundamental é que não sejamos nós a darmos os nós. Sentir não é pecado, nem minha crença, nem na sua. E o sentido disso tudo não faz o menor sentido. Mas todo sentido que o sentido precisa fazer. Minha cara se lava. Todo dia. O meu corpo muda. Todo dia. O caminho de casa é o mesmo. Todo dia. E todo dia, desde aquele dia, eu penso em como seria bom te encontrar pelos corredores. Ainda que haja dores, o sentido que me importa, o sentido que se sente, não me dói. E eu adoraria dormir com você hoje. Se eu te contar por onde andei... Sem mais.
J.V.Kaisen

alles.

Pra você há tanto
de mim 
e do mundo

Usufrui
dos meus desejos

Vai
fundo

Diz o que há
ai dentro
desse seu peito 

E me deixa usufruir
dos seus desejos

Vai
me deixa ir fundo

Ensina pra mim 
essas coisas
que você sabe

Deixa eu ver
se sei algo também
me conta

E quando o seu olhar
estiver novamente no meu

Vai
fundo

Entra 
em minhas íris

Entra 
em minhas canções

E mesmo que não seja nada
pode ser que nada 
tenha uma outra tradução

Vem falar a minha língua.

J.V.Kaisen