domingo, 27 de dezembro de 2009

amargo, ser.

O ‘se’ é cruel. Não existe. E mudaria o que existiu. O ‘se’ é incômodo. Persiste. Em não mudar o que já se foi. E ainda é. O ‘se’ é como um traço torto que delimita sem dar margem. É duro e desumano e insensível e traz penar. Ser é difícil. Mais ainda é ser alguém que se sustenta. Em muletas. Alguém que puxa pra si tudo aquilo que pode servir de abrigo. Ou de chão. Esse tal ‘se’ é uma muleta, se quer saber. Fica mais fácil pensar em como as coisas seriam se não fossem tal como são. Dá espaço aos sonhos. E ameniza os pesadelos. Fica mais fácil aceitar o que se é fazendo-o ser uma eterna possibilidade de mudar. Eu fiz muito isso, sabe. Sempre tive aquilo que me permitia andar. Bom, eu pelo menos achava que me faziam andar, mas a verdade é que a cada dia era um novo alguém, um novo vício, um novo suporte e eu me vejo aqui, agora, paralisada, e completamente exausta por carregar tamanho peso que pesa as costas e a mente e a alma e faz doer mas é que eu não sei como me livrar dele, o peso, delas, as muletas, disso tudo, e eu não sei se saberia caminhar sem que os levasse comigo e olhe como são as coisas a-que-ponto-me-deixar-chegar. Estive pronto pra desencarnar. Desistir mesmo. Como um ato de fraqueza e fragilidade. É que por instantes eu não era eu. Por instantes eu perdi a voz. E pouco a pouco, uma a uma, foram caindo as muletas. Foram me deixando as esperanças. E eu tenho medo. Do claro. E da escuridão. Errei em carregar tantos sustentos. E agora preciso deles. Quero-os, todos, de volta. Não posso deixar que me tirem mais nada. E quando digo nada é nada mesmo. Preciso de tudo. Lágrima, vício, companhia e solidão. Sei bem que a estrada é longa e que os passos, curtos. Se eu pudesse tomar uma dose de resiliência. Ah, se eu pudesse. Mas eu não posso. Porque 'se' não existe. E começo a achar que resiliência também não.

sábado, 26 de dezembro de 2009

sobrou da ceia.

E fim.
Natal já se foi.
Agora só no ano que vem.
É a mesma coisa todos os anos.
E eu já me cansei dessa rotina.
A ressaca é moral.
Pior que a de um porre.
Sentei-me à mesa e,
ao final de toda a comida, pensei,
'tudo será melhor em 2010'.
Tudo será melhor.
Basta resolver o que se tem pra resolver.

Resolverei, resolverei.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

desordem.

Já não sei o que é real.
Não sei se vem do imaginário.
Fica difícil sentir.
Não quero nada.
Ninguém.
Estou vazio.
Indiferente.
Impaciente.
E com medo.
Sinto-me frágil.
Pequeno.
Nada.
Ninguém.
Ando sonhando sem pregar os olhos.
E me sobram pesadelos.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

não se pode duvidar.

-Para Grace-
Disseram-me que você voltaria pra casa hoje, é um alívio, depois de tanto tempo, depois de tanto sofrimento, foi um susto sabe, te confesso que quando soube daquilo não houve outra reação, senão a de deixar as lágrimas escorrerem por todo o meu rosto, nem cabiam nele, se espalharam por todo o meu corpo, caíam ao chão, eram lágrimas de desespero, eu não queria acreditar, eu chorava e orava com uma fé que busquei o mais fundo em mim, era uma fé que nem eu sabia que morava ali, no meu peito, eu pedia a Deus pra que ele tivesse misericórdia, piedade, pedia pra que você sobrevivesse, pedi até pra que ele me levasse em seu lugar, foi por um telefonema que recebi a notícia, um ligação que me tirou o sono e o sossego e a paz e que me encheu de culpa e medo e esperança de que tudo ainda pudesse acabar bem, ainda de pijamas desci pelas escadas até chegar à porta, precisava tomar um táxi, e a rua vazia, a chuva rala, seca, nem sei se estava mesmo chovendo, ou se eu ficara molhada pelas gotas de meus próprios olhos, eu estava muito desorientada pra saber se caía uma tempestade, ou se o céu estava estrelado, mas me lembro que eu sentia frio, muito frio, tremia, era o gelo da noite, talvez fosse o gelo da angústia, da impotência, porque te juro, não há nada pior do que sentir-se impotente, enfim, o táxi não passava, eu acendia o cigarro na brasa do último, tanto era o tempo que eu dava entre um e outro, era assim, parecia que eu ia explodir de ansiedade, estava indignada, por ter te deixado, por ter deixado você só, estava sentindo raiva de mim, e ao mesmo tempo eu queria poder ficar ao seu lado, como há alguns dias não tinha estado, finalmente um carro branco, placa vermelha, entrei, chorando, disse o destino, entreguei o dinheiro, nem quis saber de troco, quando cheguei estavam todos lá, acabados, incrédulos, com sede de justiça, mas sem tempo pra pensar nela, me contaram como foi, com detalhes, não consegui ouvir por muito tempo, é que a cena começava a passar por minha cabeça, como um filme mesmo, daqueles tristes, todos rezando, implorando pra que o pior não acontecesse, e foi assim, dia após dia, a cada notícia que traziam lá de dentro um novo choro, um novo medo, um novo apelo aos céus, e a tentativa falha de achar o por quê de tudo, não era justo, não era mesmo, um triz mudaria o destino, uma música mais ou uma pessoa mais naquela fila ou uma moeda caindo do seu bolso ou qualquer coisa ou se eu tivesse ido ou se ele tivesse ido e se você não tivesse ido e eu já sem fôlego pensando em qualquer coisa que mudaria o destino mas acabei me dando conta de que se é destino não se muda e que agora era preciso enfrentar e eu sabia que você era forte, é mesmo difícil aceitar, mas parei, parei porque já estava sem ar, eu acreditava com toda crença que pude encontrar que você sobreviveria, mandaram me chamar, entrei depois de horas lá fora, pude ver você, e você estava ali, deitada, sem que eu pudesse ver o sorriso de que tanto gostava, vi uma menina frágil, mas de uma força difícil de se explicar, assim como eu não posso te explicar a dor que senti, era uma dor aguda, daquelas que tiram mesmo um pedaço, de dentro, e por isso é ainda mais forte, eu não consigo medir isso, mas era agudo e doía e queimava as entranhas e esfriava a pele e era latente e parecia não acabar, eu queria ter te dado um abraço, daqueles que iguais são só os nossos, e queria ter dito, -olha, estou aqui, calma, vai ficar tudo bem, Deus está com você-, mas a voz não saía, no lugar dela quem saiu fui eu, prostrada, destruída, faltando uma parte, mais um cigarro, sentei-me numa coisa de concreto e dali não sai, chorei muito, pensei muito, me odiei como nunca, pude sentir o sentimento que sentia por você como nunca, e cara, eu te juro, eu queria ter passado cada noite e cada dia e cada segundo desses minutos seus ao seu lado, queria ter sido seu abrigo, queria ter dividido o seu sofrimento comigo, como um dia te prometi, mas sabe, não sei se você vai me perdoar, se um dia vai acreditar em tudo que estou dizendo, mas eu vou dizer mesmo assim, por dias não sai dali, da porta, por dias não deixei de te enviar bilhetes, de entrar pra te ver, de te ligar pra ouvir você dizer que as coisas iam melhorando, mas sabe, eu cheguei no limite, não pude ser tão forte, é que a cada vez em que eu entrava ali, no quarto onde estava, eu me sentia feliz por ver que melhorava, mas a dor era cada vez mais doída, eu lembrava dos momentos em que passamos juntas, eram bares e festas e escadas e parques e praças e camas e eu já não suportava te ver naquela cama, naquele lugar, com um sorriso forçado, triste, sem poder ser o que gostava de ser, e eu fui fraca, chegou um dia em que ficou tão difícil não poder te tirar dali, não poder atender ao seu pedido de -hei, por favor, eu não aguento mais esse lugar, me leve embora, doi tanto, em tantos lugares-, esse dia chegou e foi por isso, foi só por isso que deixei de ir até você, de te telefonar, mas eu queria que você soubesse só de uma coisa, e me basta, eu fiz tudo o que pude, fui até onde pude, no limite das minhas forças, sei que você deve estar pensando que foi pouco, talvez pense que eu esteja indiferente, mas saiba que esse pouco foi tudo o que pude fazer, tudo o que eu, esse ser fraco e impotente pôde fazer, eu não deixei de pedir a Deus um só dia por você, eu não deixei de pensar um só dia em você, eu não deixei de procurar um só dia notícias sobre você, não deixei de escrever um só dia pra você, eu não deixei de amar você, um só dia, e se não estive em presença, estive em pensamento, eu não sei se sentia isso também, mas eu te sentia forte dentro de mim, em mim e, te digo mais, você mudou a minha vida, como ninguém jamais fez, muitos deixaram marcas em mim, mas nada comparado ao que você fez, ao que esse acontecido fez, você mudou meu modo de ver tudo, de sentir tudo, passei a dar valor a qualquer coisa, sabe, eu ficava pensando no que eu faria quando saísse desse situação em que você se encontrou por tanto tempo, se fosse comigo, o que seria a primeira coisa que eu faria, e por mais simples que pareça, eu tomaria um banho, acho que é o que você vai querer também, tomar um banho, pra sentir de novo cada parte do seu corpo, pra lavar todo o sofrimento que passou, acho mesmo que deve tomar um banho quando sair dai, tenho certeza de que se sentirá renovada, e depois disso, fique horas sentada na privada, depois à mesa, coma o que mais gostar, beba um copo gelado d'água, ligue uma música, bem alto, faça o que quiser fazer, faça isso, sentirá cada sensação potencializada, como nunca sentiu antes, porque você é um milagre, e agradeça muito, não àqueles que estiveram com você, porque se eu estive, talvez menos do que esperava, se seus amigos estiveram, se seus familiares estiveram, é porque Deus não saiu do seu lado, e é a Ele a quem você deve agradecer, porque não é possível deixar de acreditar Nele nem por um segundo, não é, te digo isso com toda a fé do mundo, acredite, ore, agradeça e agradeça e agradeça e torne a dizer obrigada Senhor Jesus, obrigada Meu Deus, obrigada, porque não se pode duvidar do poder Dele, do que Ele é capaz de fazer, e creia, sempre, 'o impossível Ele pode realizar', que essa provação sirva de aprendizado, sirva pra que você possa viver cada simples situação com uma intensidade jamais vivida, eu te desejo o melhor sempre, desejo que você tenha plenitude em tudo que passar daqui pra frente, desejo que você possa fazer de cada sonho um motivo pra seguir, pra nunca desanimar, e olha, eu estou aqui, com você, sempre, sempre, sempre, nunca duvide disso, nunca deixe que te digam que eu não me importo, e se disserem não dê ouvidos, porque eu me importo, muito, eu te amo, muito, eu quero muito poder ver você se recuperando bem, pra que, quem sabe um dia, o tempo passe, e eu possa de novo te abraçar com aquele abraço que igual só o nosso, possa te ver sorrir um sorriso alegre e vivo e espontâneo e sincero e realmente feliz, Deus te guie por todo seu caminho, e se você quiser, se me permitir, seguirei toda trilha com você, seja pra que lado for, como for, por onde for.
Pra-que-quem-sabe-um-dia-eu-possa-significar-pra-você-tudo-tudo-o-que-você-significa-pra-mim.

sábado, 5 de dezembro de 2009

aquela festa.

A primeira a ser notada, pelo menos por mim, só mais alguém que comparecia por obrigação ou compadecência naquele dia de festa. Estava vestida por um vestido, joelho acima, sapatos de salto, onde se equilibrava como quem calça os próprio pés, em leveza, os cabelos presos, muito delicados até, e maquiagem, bem suave. Era uma moça bela. Sorriso largo, covinhas discretas, e os olhos negros, fundos, tão fundos, atraiam-todo-ser-pra-dentro. Desviei meu olhar assim que a vi. Não sei mas foi o único gesto que fui capaz de fazer, sabe, parecia mais fácil, fixar os olhos por mais que um segundo poderia trazer consequências maiores. E trouxe. Me comportei feito idiota, feito quem sabe o que quer mas insiste em complexar, quem-tenta-enganar-a-si. Aquela menina devia ter pouco mais de três mãos cheias, não muito menos que eu, mas ainda assim, menos. Perplexa, era eu. Deslumbrante, era ela. Cedi ao meu desejo de contemplá-la, toda, de corpo inteiro, lânguida, esbelta, malabarista, cabelos presos, maquiagem discreta. Olhei tanto, vidrada ali, resolvi, como quem busca saída em rota de trânsito, como quem prefere fugir a enfrentar, quem-é-fraco-diante-ao-ponto-fraco, resolvi ir embora. Corria em direção à porta, sem deixar de olhar pra trás, tentando ver o negro dos seu olhos, ou o caminhar de suas pernas, agora vendo talvez uma sombra, ou um vulto seu qualquer, me finalmente viro, vou-me embora. Não sei como se chama. Não sei se ama. Não sei nem se quer alguém para amar. Mas sei que amo, sei que quero, quero-te, e sei de como deve me chamar.
Amor.

terça-feira, 24 de novembro de 2009

um certo adeus.

Tirei uma foto bonita esses dias. Me posicionei frente a uma vidraça embaçada de minha casa, na verdade do quartinho onde vivo há alguns meses sem meus pais, é meio triste, me sinto às vezes só, quase sempre, é o que tenho sentido, tristeza e solidão, mas acabei me acostumando, uma hora temos que sair de casa, alcançar a tão sonhada liberdade, atingir a tão cobrada responsabilidade, é o que dizem, nem acredito muito nisso, os ditos experientes se deixam tomar por tanta ignorância, por tamanha tradição, não sei se são mesmo responsáveis ou livres, na verdade acho até que são presos, enjaulados em falsas virtudes, escondidos por trás de hipocrisia e falta de fé, eu não sei bem, mas tenho sido tal como eles ultimamente, presa, em liberdade plena, hipócrita e de uma irresponsabilidade difícil de se medir. Me dói. Mas não era disso o que eu falava. É que me perco. Falava da foto. Frente a vidraça, câmera nas mãos, o embaço, eu e só. Fui então revelar aquilo. E foi curioso. É que revelada a foto, só o que vi foi você. Olhando pra mim, bela e pouco feliz. Colei-a na porta de um guarda-roupas velho pra que todo dia, ao acordar, eu possa olhar pr'aquilo. Sou eu me dando uma chance. É que sei que quando eu puder ver a mim, só eu, aquela vidraça, o embaço, sem que você se faça ali, viva, quando isso acontecer, eu como minha imagem, saberei que o sentimento está morto. E que estarei livre. O problema é que aquele guarda-roupas já não fecha as portas, eu já não durmo, o tempo passa, e a foto perde a cor, ganha um tom amarelado, igual ao meu sorriso, amarelo e pouco feliz, e eu que jurei não mais te escrever estou aqui, toda noite, colocando em cada frase uma palavra sua, pedindo a Deus pra que você não leia, ou que pelo menos pra que pense que o que escrevo não é seu, mas sabendo que no fundo você lê, e sabe o que eu não queria que soubesse, que o que eu sinto é mesmo amor, e eu não queria que soubesse, é humilhante, não queria porque você está ai, passando os olhos por essas linhas, sem se emocionar, sentindo talvez pena, achando talvez graça, aproveitando talvez essa sensação. E você nada faz, passa por mim e já nem me olha, talvez me leia como lê as linhas, sem emoção, sentindo talvez pena, achando talvez graça, e eu não quero migalhas, não quero que sinta pena, que me considere uma piada, mas é que continuo a pensar em como seria você, em como seria ter você, e volto a te escrever, volto a desejar, volto a encher meus olhos de lágrimas e esperança, volto a olhar pra foto, vejo você, mas agora seu sorriso já aparenta uma certa felicidade, parece até que você está com um outro alguém, e eu espero que esteja, espero com toda a força que ainda me resta, quero te ver bem, ver não, saber que está bem, ver já é doloroso demais, e eu não sou forte assim, a ponto de te ver sem que eu possa te tocar, pelo menos um abraço, nem isso nos damos mais, mas ai eu penso em alguém te dando as mãos, te levando pra passear no parque, penso nesse outro alguém acariciando seus cabelos enquanto você desabafa coisas que eu nunca vou saber, ai eu me viro, deito, tento dormir e mais uma vez não consigo, é meio triste, me sinto só, é só o que tenho sentido, tristeza e solidão, mas acabo me acostumando com esses olhos fundos, com essas olheiras que condenam o meu pesar, acabo me acostumando, um dia temos que admitir a tão temida perda, um dia eu aceito que nunca tive você, e que nunca terei, nem acredito muito nisso, mas deixa eu fingir, é mais fácil, e ah, seja feliz, mesmo, faça isso por mim, já que não pode ser feliz aqui, comigo, me prometa que ficará bem, prometa e depois desapareça, nem que seja por pena, mesmo que ache graça, desapareça, da minha rua, da minha vida, das minhas frases tortas e confusas, da minha foto na vidraça. Desapareça. Está me entendendo? Quero que vá embora. Me dói. Mas quero que vá. É que enquanto você fica eu me perco, e a pouca força que eu tinha você levou, e agora eu sou covarde, só, e pouco feliz. Amanhã ao acordar não vou olhar a foto. Amanhã não colocarei uma única palavra sua em minhas frases tortas. Amanhã só o que fica na fotografia é o embaço. Nem mesmo eu apareço ali. É que sou fraco demais pra me ver sem que te veja. É melhor mesmo que eu também desapareça. É mais fácil assim. E se eu voltar a te escrever, me desculpe. É que você está entranhada em tantas coisas que fica mesmo difícil pra mim. Prometo tentar. Então adeus, combinamos assim? Pelo menos por hoje. Adeus.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

só um detalhe.

Até a perfeição peca em detalhes. Eu não sei se saberia explicar, mas devo mesmo dizer que é maravilhoso sentir que amanhã tudo acaba, que nem só beleza se vê, e que o gosto disso é doce e que somos nós que o fazemos amargo. Essa mania de querer ter asas sem ao menos poder pisar no chão, essa mania amarga. Temos o que se há pra ter, e basta. Tem que bastar. Outra vez me lembro dela. Que mania a minha! Daqui a pouco tento esquecer, mas daqui a pouco. Agora é cedo demais.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

pra mim.

Eu estou me afogando, em suor.
Eu estou me queimando, em dor.
Eu estou me lavando, em lama.
Chega de arder,
chega!
Pra mim chega.
Eu ando em mares, sem porto.
Eu ando em poços, sem fundo.
Eu ando em ruas, sem sinais.
Chega de pressa,
chega!
Pra mim chega.
Eu me vingo, por insegurança.
Eu me deixo, por tédio.
Eu me mato, por falta do seu amor.
Chega de cartas,
chega!
Pra mim chega.
Eu me descubro, em detalhes.
Eu me ensino, em lixo.
Eu renego, em espera.
Eu espero.
...
E espero.
...
Espero.
E chega,
chega!
Pra mim.
Chega?

terça-feira, 10 de novembro de 2009

eu e ela.

Ela ainda estava ali, à porta, esperando pelo instante em que pudesse entrar. Entraria para dizer a verdade. Já se esgotara da mentira. Se preparou de forma a recordar. Pensou em todas as vezes em que mentiu. Omitiu. Traiu. Nas vezes em que se fez fantasia, mascarada. Lembrou-se do que diziam-lhe sobre o momento em que dormia. Sempre a disseram que, enquanto entregue aos sonhos, falava. Sim, conversava como quando desperta. Mas dormia. E nessas horas sempre dizia a verdade. Era esse o momento em que esquecia-se de mentir. Quando dormia. E o pior é que há tempos não sabia o que era dormir. Já nem sabia há quanto. Mas será possível, ela pensava, que não podia ser verdadeira de pé? Acordada? Precisava esvair-se do mundo, em sono profundo, pra que fosse ela? Não um personagem. Ela? Não se devia ser assim, ela concluía, alguém que se permite viver uma vida de mentiras em sol. Uma vida de verdades em lua. Queria mais. Queria ser ela, dela. E de mais ninguém. Queria amar quem fosse, a quem fosse. Aquém a qualquer opinião. Ao julgamento do credo. Queria deixar de querer convencer; de ser o que não era. E nem poderia. (Ouvindo passos vindos de dentro). Era agora, ela se encorajando, agora abriria aquela maldita porta e gritaria em calma o que lhe viesse. A quem lhe viesse. Faria com que a vissem. Queria se fazer enxergar em luz. Em claro clarão. (Ouve passos que se aproximam, vindos de dentro). Chegada a hora. (Chaves,...,tranca,...,fechadura, e... abriu!). -Era a porta de um espelho. Abrira pra si mesmo. Para ver-se. Contemplar-se. Entender-se. Faz um embaço, desenha letras de forma a construir-se. Identificar-se. Conhecer-se. Há tempos andava tão distante de si! Que já nem sabia há quanto. Quando dizia a mentira era quando lhe faltava o cansaço; quando dizia a verdade era quando lhe sobrava a insônia. Porque estava só. E já não precisava mentir. Omitir. Trair. E já não se precisava fazer em fantasia, mascarada. Porque ela? Ela era eu! E eu sabia disso agora! Era eu! O tempo todo fora. Eu. Mas será possível, pensei, que precisava esvair-me do mundo, em desespero profundo, pra que fosse eu? -Não um personagem. Eu? Não devo ser assim, eu concluindo, alguém que se permite viver uma vida de mentira em sol. Uma vida de verdade em lua. É pouco. Quero ser eu, somente eu. Não ela. Quero amar quem for, a quem for. Aquém a qualquer opinião. Quero deixar de querer convencer; ser eu o que não sou. E nem poderia. (Ouço passos, vindos de meus próprios pés). Era agora, eu me encorajando, agora fecharia aquela maldita porta e me acalmaria após gritar a mim. -Ei! Está vendo? Ouvindo? É você! Não tenha medo de si! Enfrente-se! Conheça-se! Permita-se! Seja si! Você pode enxergar em penumbras! Em plena escuridão! Deixe logo de criar-se e recrie-se! (Chaves, tranca, fechadura, e... fechei!). Ali, dentro daquela imagem, tranco o que antes só me sabia acompanhar. Dali, daquela antiga imagem, não posso ver-me. Nem poderia. É que sei, que se ali ficasse, estaria fora do limite. E nem teria margem. Só imagem. E isso não me basta. Quero imagem. Corpo em margem. Alma. E muita fé.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

enquanto só.

É engraçado pensar no quanto eu já quis. Quis ser tudo. Ter tudo. O mundo era pequeno pro que eu tentava abraçar. Me interessava por história, arte, política, música, futebol, culinária. Tanto quis que pouco conquistei. Eu era do tipo que precisava encontrar alguma coisa em que eu fosse especialista. Genial, com o perdão da pretensão. Era de grande relevância pra mim; ser um ser que é, tem e sabe. Tentei pintar, fracassei. Com os números, me descobri medíocre. Na música, era mais um frustrado. Meus cruzamentos eram falhos e os ovos fritos nunca ficavam inteiros. Fingia interesse por obras literárias medievais, artigos científicos, pingüins. Sem mais o que tentar saber, já desistindo de ver o toque em uma pintura qualquer de museu, decidi encarar a falta de talento que sobra em mim. Bem, não era como eu queria. Como seria maravilhoso ser um alguém que se sobressai por natureza! Sem esforço. Sem suor. Sangue. E lágrima. Bem estaria se tivesse um dom. Foi ai que comecei a escrever. Como que para fugir da realidade. Como que para poder desabafar em plena solidão. Como que para tentar desvendar o todo. Como quem analisa e busca compreender o som do próprio pensar. Quando escrevo é quando posso falar com meu próprio eu. Não é incrível isso? Você ali, depois de mais um dia de rotina e tédio. Sozinho. Conversando com a pessoa que mais pensa te conhecer. Você. Você, que na verdade sabe é nada. Diz saber tudo e sabe é nada. Nada! O que você sabe sobre você? O que eu sei sobre mim? Era essa a resposta que eu buscava quando escrevia. Era tudo o que eu precisava realmente conhecer. A mim. E comecei a entender. Talvez tenha começado a me ouvir. No mais íntimo. -Por isso cá estou, escrevendo. Todos pensamos ser singulares, mas o que há de singular em conhecer pessoas, viver paixões, sentir tristeza e raiva e felicidade e medo e preguiça e saudade e fome e sede e frio e sono? O que há de singular em ser um ser que busca ser livre e se tranca e se curva e se fecha e se destroi e se morre? O que há de singular em um gozo em um choro em um poema escrito num pedaço de papel? O que há de singular em amar um alguém que não se deve amar? Somos todos iguais. Em dor, em mistério, em segredo. Dizem que destino existe, que acaso existe, que existe gente de sorte e de azar. Passei a duvidar disso, há pouco. É que comecei a considerar a possibilidade de que exista somente a vida. E que ela nos é dada para ser vida. E vida é dom. Viver é para gênios. E gênios também morrem. Choram. Riem. Sentem medo. Não há mal nenhum em tudo isso. Não há nada de peculiar em ser um igual. Porque todos somos uma vida que vive pra depois morrer. E agora vejo o quanto é maravilhoso ser um alguém que se sobressai após esforçar-se a ponto de derramar sangue. Suor. E lágrima. Como é bom saciar a fome, matar a sede! Como é bom se sentir num dia de sorte! Pensar que conheceu alguém por força do destino! E amar esse alguém; mesmo que ele não te ame. Como é gostosa a preguiça, a saudade, a noite de sono! Como é bom crer, perdoar, ter fé! Como é prazeroso um dia de frio, livros, amigos, roda e violão! Como é bom sentir-se essencial, único, um-segredo-prestes-a-se-revelar. Como é bom dar valor aos pequenos detalhes! Agradecer por um segundo qualquer. Como é bom ser igual em dádiva. E em certeza da incerteza que é a data do fim. Todos somos iguais. Geniais pelo dom de viver. Todos. E o talento? Ah, o talento deve estar no óbvio. No que aos poucos perde a relevância por parecer tão normal. É que a gente se esquece de que melhor do que procurar ser especial, é procurar o que há de especial em cada coisa. Seja mínima. Um espreguiçar. Um banho. Um almoço em família. Uma demonstração de afeto. O talento deve andar por entre a força com que se encara vida e morte. Azar e sorte. Medo e coragem. É engraçado pensar no quanto eu já quis. Quis ser tudo. Ter tudo. Hoje o mundo é grande demais pro meu abraço.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

eu camaleão.

Preto estava.
Tentei trocar a cor,

camuflar um dinamismo,
disfarçar meu eu.
Pintei-me em azul.
Verde.
Roxo.
Marrom.
Tentei o vermelho,
ele me negava.
Não me queria pintar.
A paixão que dá essa cor já estava morta.
O sangue quase que amarelo sobe ralo.
Bem ralo.
O beijo é frio.
Tonaliza em tons frios.
E mudos.
Feito desvairado agora;
azul, verde, roxo, marrom, sangue amarelo, paixão morta.
Nada de vermelho.
Nada de me pintar.
Melhor mesmo voltar a ser preto.
E branco.

um rock'n roll.

-Café?
-Sem açúcar.
-Música?
-Gosto de rock.
-Cigarro?
-Guarde para depois do sexo.
-Então faremos sexo?
-Faremos.
-E quando será?
-Antes mesmo do último cigarro.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

3x4.

Eu aqui, remexendo em coisas velhas, tentando talvez encontrar o apalpar daquilo que há muito só vaga e se esconde por trás de uma vidraça que permite ver o que não se pode tocar, tentando talvez me esconder em meio a velhas entranhas, tentando talvez me fazer viver, talvez pelo simples fato de existir um talvez, talvez porque eu soubesse que encontraria sua foto. Uma linda foto que um dia você me deu; (daquelas que se tira quando criança e se guarda pra depois ver que o olhar não é mais tão puro; que o meio sorriso não se contém; que os cabelos são tal como eram quando você nasceu). Uma linda foto. Retirei mais alguns trapos... Uns bilhetes de amores de infância, papel de bala, flor, clips, dente de leite, palito de picolé, coleção de selos, postais... seu retrato. Estava ali, ainda virado, como quem não quer se mostrar. Mas eu sabia que era o seu retrato; sabia porque era o único que eu havia guardado naquela caixinha de lembranças-pensamentos. -Sim, lembranças ou são lembranças-pensamentos, ou são lembranças-lembranças. Há sempre aquilo que você se lembra com tamanha força, com tamanho sentimento, com tamanha concretude, que acaba por ignorar o caráter efêmero que todas as coisas deveriam ter, e têm. Mas você não as permite. -Digo você, mas eu não as permito. Essas coisas, essas lembranças, essas que você não deixa de tentar tocar, dessas que te arrancam um sorriso e depois te escapam uma lágrima, essas são as lembranças-pensamentos. As outras você só se lembra em alguma data, não deseja reviver. E a sua foto estava naquela caixinha. A de 'lembranças-pensamentos'. Peguei aquilo com tamanha dor, com tamanha ira, com tamanho medo. Virei aquilo com tamanho receio. Olhei aquilo com tamanha culpa! Culpa de estar olhando. Culpada por desejar mais uma vez, culpada por te amar mais uma vez. Guardei aquilo. Nessa hora eu pensava: 'É só uma foto. Ela não está aqui. Você já estava se curando. Não beire ao precipício. Controle-se. Ela não vai voltar. Acalme-se. Muita calma. Calma.' Fechei aquela caixa com tamanho desespero! Fechei pra depois abrir como um selvagem, pra atirar todas as lembranças e descartar todo o passado. Peguei o retrato com tamanha fúria! Desfiz com fogo cada bilhete, cada selo, cada parte de seu rosto em imagem. Daqui pra frente quero te lembrar em uma data, quero não te desejar reviver. Quero-a morta em pensamento. Quero tê-la apenas como lembrança. Uma velha memória do que não de fato aconteceu.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

.

Sempre gostei do cheiro de páginas de livro.
Descobri isso ontem.
É que eu organizava bagunças.
(não as do quarto, mas as internas).
E pensei,
mas pensei tanto!
(me faltou tempo até pra pensar no que eu pensava).
Fui logo pensar no quanto a vida é triz.

-Para Grace Urrutia e Michelle Milo-

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

veneno, pra cura.

Encontrei o veneno pra minha cura.
Não recomendo encontrar.
Logo sobe à cabeça.
Logo se decide envenenar.
(Que é pra curar do tédio que é curar-se de amar).

terça-feira, 27 de outubro de 2009

ponto final.

Ainda ontem inteiro.
Bastou uma só palavra sua,
hoje em pó.
Você poeira,
que se foi.
.


Era só uma resposta. O que eu precisava. Uma resposta pra que eu pudesse entender nosso fim. Sei bem que quando uma coisa não começa não pode acabar e que é preciso viver tudo aquilo pra dizer que existiu e que não vivemos e que não sabemos o que foi que vivemos mas é que essa coisa me consumiu e ai você sumiu sem deixar endereço e eu fiquei aqui sem entender buscando o por quê dessa coisa toda que acho até que seja amor. Estava de porre e por isso te liguei. Não estou dando desculpa até porque é você quem devia me pedir desculpas por todas as culpas que me fez sentir. Mas eu estava de porre. Vazia, uma garrafa de conhaque. Limão, gelo, sal. Eu tinha que dar um jeito de sair de mim pra que eu pudesse te ouvir dizer o que eu já sabia que você ia dizer mas eu não queria escutar aquelas palavras que viriam acabar de vez com a fé que ainda pulsava em meu peito nu. Eu não suportava escutar sem que eu me embriagasse. Talvez como um bêbado, como um bêbado e louco, eu me esquecesse, eu me fizesse amnésia, eu fingiria não saber o o que eu já sabia que você diria. E você disse. E eu me lembro. A bebida não fez de mim um esquecido. Você disse. Justo o que eu não merecia ouvir. “Foi engano. Tudo não passou de engano.” Ai eu te digo. - Engano? E quanto a tudo aquilo que dissemos? Aquele abraço foi um engano? O tempo não marcava as horas naquele instante e você vem me dizer que foi engano? Aquele beijo quase que doído e desesperado numa madrugada ainda mais fria do que aquele frio fim de tarde em que te conheci? Isso também foi engano? Não, não posso entender. Posso menos ainda aceitar. Você não seria tão personagem. Eram poucas as suas palavras. Mas seus olhos; seus olhos me diziam mais. Não era um cenário. Não era um simples texto decorado por você. Não é justo que fosse. Não é justo que eu tenha entrado em sua dança, não é justo que eu tenha te enfeitado a cama, que eu tenha amado assim sem que você sentisse pelo menos uma fração do que eu sentia. Não é justo. Quando ouvi meu telefone tocar, já esperava sua ligação. Você iria retornar àquele meu primeiro sinal. Te digo que precisava mesmo daquilo. Era como uma libertação; uma prece fervorosa em inteção a mim. Eu sabia que depois daquele telefonema eu seria livre. Eu sairia das grades que não me permitem ver a luz. Que não permitem à luz o tocar por inteiro meu corpo. Grades que me fazem sombras. Eu me sentiria fora do seu compromisso, dentro da rotina de um outro alguém. É, porque até então, eu ao menos me dei a chance de encontrar uma nova forma de ver o amor. Mas depois daquela ligação, depois disso eu me deixaria viver. Pra mim chega de solidão. Chega de alimentar amarguras. Chega de fundo e chega de poço. Chega de tristeza no olhar. Chega de mentir pra mim mesmo. Chega de pesos e chega de passado. Eu te desejo um amor com amor tal qual o meu. E te desejo coragem. Sonho. Estradas sem fim. Te desejo sorrisos. Te desejo lágrimas. Eu te desejo tudo aquilo que desejar. Faz chuva nessa madrugada. E esse é meu último adeus. É a última vez em que falo pra você, meu amor, de amor. Será hoje o dia em que irei dormir sem antes pensar se você pensa em mim. Se você me espera. Se você me amou.Vou recuperar aquilo que há muito me deixei escapar; dignidade. Vou viver sem vírgula, reticências ou interrogação. Quero agora um ponto. Um ponto que me leve a um novo caminho. Um ponto que me deixe pronto pra recomeçar. Que me deixe pronto pra te encerrar. Era isso o que eu precisava. Uma resposta que nos desse um ponto final. É justo não mais falar de amor.

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Ainda hoje em pó,
bastou uma só palavra sua.
Amanhã, inteiro.
Você poeira,
que se foi.

sábado, 24 de outubro de 2009

pela imagem.

À frente do espelho.
Como se eu me fosse beijar.
Como se de perto eu me pudesse ouvir.
Como se eu pudesse olhar bem no fundo
daqueles olhos que também eram meus.
Eu só queria me aproximar de mim...
Ainda frente ao espelho.
Agora já distanciado daquela imagem.
Como se dali eu me pudesse ensurdecer.
Como se eu me pudesse decifrar
por aqueles olhos que também eram meus.
Eu só queria me esquivar de mim...
Pego um livro.
Quebro o vidro.
Como se quebrada a imagem, morto o corpo.
Como se eu pudesse fechar meus olhos
àqueles que também eram meus.
Eu só queria me livrar de mim.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

amanhã, sol.

Minha boca é tão seca.
Meus olhos estão inundados em lágrimas secas.
Lágrimas que insistem em não cair.
Estão se pondo...
Tão perto dali, de onde se vê.
Tão dentro dali, de onde se sente viver.
Têm ritmo até,
mas falta tom.
Têm sombra até,
mas falta cor.
Têm fim até,
mas falta meio.
Meus pés são tão frios.
Meu corpo está fardado em cicatrizes frias.
Cicatrizes que insistem em se abrir.
Estão se pondo...
Tão perto dali, de onde se entra ar.
Tão dentro dali, de onde se consegue respirar.
Têm ritmo até,
mas falta tom.
Têm sombra até,
mas falta cor.
Tem fim até,
mas falta meio.
Minha cabeça anda tão vazia.
Meus sentimentos estão postos em pensamentos vazios.
Pensamentos que insistem em lembrar.
Estão se pondo...
Tão perto dali, de onde se crê.
Tão dentro dali, de onde se sente viver.
Têm tom até,
mas falta ritmo.
Têm cor até,
mas falta sombra.
Têm meio até,
mas falta fim.
Eu hoje estou me pondo.
Quero amanhã nascer, junto ao sol.
E depois dormir, junto a mim.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

ando blasé.

Estou no limite da dor. Estou no limite do medo. Já não tenho limite. Faço das palavras a última vertente do meu ser. Faço do trago o desespero que com desespero tento me livrar junto à fumaça; num sopro. Ando em passos sinuosos na pista contrária à minha direção. As marcas hemorragem internamente meu corpo. Obedeço à ordem quase inconsciente que me manda permanecer só. Me descubro blasé. Não vejo nada, quero nada. Nada me faz sentir como eu antes me sentia. Sou agora nada além de um amplo vazio repleto de vazios, pesos e solidão. É como se eu tivesse a certeza de que buscar por novas sombras me levaria penumbra adentro. Me levaria de encontro a essa sede que me sufoca e que aos poucos me seca e me deixa assim, sem sede de viver. Quero poder sair da subjetividade do meu eu. Me sobra impaciência. Tudo aqui me parece maior. E eu me pergunto se voltarei a dormir como antes. Comer como antes. Me apaixonar como antes. Amar como antes. Me pergunto se me trarei de volta a mim. Se deixarei a vontade tomar o lugar da indiferença. O futuro o lugar do passado. Se deixarei o presente assumir seu lugar. Num gesto quase que involuntário aproximo dos lábios, agora frios e trêmulos, um último cigarro. É só mais um sinal de angústia, apenas mais um lapso de ansiedade e frigidez. - Que me saia o tédio. Que me deixem as lamúrias. Que eu possa me reinventar. Que eu saia do sério. Que eu não perca os critérios. Que eu queira novamente querer. Então é o último trago. E acabo de me lembrar, esqueci de dar-lhe o último beijo. É esse o estímulo vital que me falta pra continuar.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

extremo.

Nunca a noite foi tão escura e seca e fria. Nunca o dia foi tão claro e seco e quente. Nunca fui tão noite e dia e seca e fria. Sempre quis. Sempre amei. Nada fiz. Esperei um sim, disse não. Desejei te gritar, silenciei. Condenei seu medo, me faltou coragem. Sempre procurei pra me achar, te perdi. Escrevi, mas nunca entreguei. Nunca ao menos pude saber se lia e entendia que tudo isso é seu. Às vezes sinto que sente o mesmo amor que pulsa em mim. Às vezes não. Às vezes penso estar pensando o mesmo pensamento que você. Às vezes não. É tanta insensatez. Tudo que eu queria era o dançar de suas pernas junto às minhas. O balançar de seu corpo junto ao meu. Queria um gole de seu beijo, um gole de seu suor, um gole de seu gozo. Queria me embriagar de você. Queria manhãs em verso, tardes em prosa, noites em poesia. Eu teria curado suas dores. Teria massageado suas costas. Teria feito brigadeiro para que coméssemos de colher enquanto víamos um filme de amor. Teria acordado de madrugada para me certificar que seus pés estavam cobertos. E até deixaria você me puxar o cobertor. Teria te levado pra jantar e para ver o pôr e nascer do sol e pra pular de páraquedas e nadar em Noronha e ver o mundo de Paris. Eu teria aprendido a dançar forró. Teria aprendido a tocar melhor meu violão. Teria te comprado flores e discos. Teria lido pra você dormir. E teria me levantado às 6:oo pra te levar o café. Teria dividido sonhos, guardado segredos. Teria construído uma casa de campo com lareira e sem Tv. Teria feito um luau. Assado marshmallow's. Teria nos comprado cães. Teria me esquecido dos problemas. E teria tido mais sorrisos. Teria chorado menos. Sentido menos saudade. Se você tivesse ficado. Se é que você chegou a vir. Eu teria te beijado na chuva. Teria tirado seu retrato. Eu diria mais a verdade. E te levaria num parque de diversões. Eu teria descoberto seu prazer. E saberia sua cor preferida. Te cantaria em letra e melodia. Eu teria te ensinado o que sei. E aprendido com o que sabe. Teria fechado seus olhos. Teria feito você suspirar. Teria mordido seus lábios. Teria te dado minhas mãos. Eu te acalmaria nos sustos. E te ampararia nos medos. Eu faria planos. E te assumiria pra minha família. Aceitaria seu mau humor. Eu te colocaria um apelido. E sussurraria seu nome. Eu seria pontual. E não teria hora pra voltar. Eu saberia falar francês. E veria graça em seus defeitos. Eu me sentiria menos só. Eu teria parado carros pra você atravessar. Eu teria comprado passagens de avião. E até teria ido a um show sertanejo se você quisesse ir. Eu seria mais paciente. Menos vulnerável. Seria mais feliz. Menos angustiada. Eu dormiria mais. E teria menos pesadelos. Se você tivesse ficado. Se é que você chegou a vir. Se você tivesse ficado eu teria te amado. Teria amado cada gesto seu. Teria dado vida a seu sorriso torto. E não teria que saber pelos outros quem você é. Eu teria levado sua toalha. Teria molhado nosso lençol. Eu teria aprendido a cozinhar. Teria desembaraçado seus cabelos. E teria comemorado a data de nosso primeiro tudo. Eu te compraria presentes. E te mandaria bilhetes. Faria você esquecer que existem ciúmes. Eu seria fiel. Eu te deixaria voar. Nunca pude te dar carinho. Nunca. A verdade é que eu nunca teria que escrever algo assim... O que escrevo é o que engulo. É o que não consigo te dizer. O que escrevo é o que vomito. É o meu ato reprimido. O meu 'te amo' calado. Meu sentimento contido. O meu amor entranhado. Nunca saberei se sabe que tudo isso é seu. Se você tivesse ficado, talvez soubesse. Se você tivesse ficado eu teria te amado. Se é que você chegou a vir. Mas se você vier eu te amarei. E o dia será claro e quente. A noite será clara e quente. E seremos dias e noites e claras e quentes. O que será? O que seríamos? O que somos? E o que seremos? Se é que seremos. Se é que te amo. Se é que te amei. Mas se você tivesse ficado. Se você tivesse ficado eu teria te amado.
Nunca estive tão perto de enlouquecer.

domingo, 11 de outubro de 2009

entregue.

Como sabe me prender.
Mordaça que fere,
cicatriz que queima,
amor que me dói.
Vem até mim,
me cura.
Jura me amar.
Te nego.
Me entrego.
Desintegro.
Aos poucos viro pó.
Debruçado em seus braços,
paralisado por seus abraços,
aprisionado nos olhos seus.
Imerso em tristeza,
digno de piedade.
Me entregue de volta a paz.
Me entregue tudo o que levou;
calma, sonho, luz.
Te entregue a mim.
Se entregue.

O que me falta é a falta que faz ter você aqui.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

anestesia.

Estranhei,
logo que apareceu.
Me esquivei,
assim que vi se aproximar.
Hesitei,
por um minuto talvez.
Me arrisquei,
um passo e então dois.
Ali fiquei.
Parada,
não disse nada.
Tampouco fiz.
Pensei me aprontar,
te enfrentar.
Parti,
tão logo tropecei.
Cai.
Me ergui.
Andei na contramão,
suportei.
Busquei curar-me.
Anestesiar-me.
Abstrair-me.
Me fiz fuga,
um refúgio pra te receber.
Daí me acostumei.
Acomodado estou.
Já não procuro por amores.
Só o que quero é sua metade.
Só o que quero é me sentir inteira.

Temo subverter.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

parem de me inibir.

É proibido, proibido, não, não é permitido, é contra os bons modos, os padrões, a lei e todo o escambal. É só o que vejo. Por todos os lados, em todos os bares, praças, móteis. Meu carro placa 2200 não trafega às sextas-feiras. Em festas, nada de jeans. Tênis? Seria uma agressão à etiqueta. Em alguns lugares, fumar já não se pode. Se chego de porre, não presto. Nem mesmo amor me deixam sentir. Está errado, não é normal, é contra os costumes, as pessoas vão falar, a família vai se sentir envergonhada. É proibido amar! A igreja com sua doutrina retrógrada não aceita o casamento entre iguais, o uso da camisinha. Não. Prefere disseminar o preconceito, as doenças, o discurso de 'preservação' da vida. Nas ruas policiais hipócritas portam armas, metem medo. Traficantes portam armas, metem medo. Bandidos portam armas, metem medo. Corruptos portam armas, metem medo. E em meio a tanta sujeira o cidadão de bem, assim como eu e você, é proibido por esses a quem teme. A democracia é forjada, forçada, fajuta e dissimulada. Assim como quem sobe no palanque para profanar palavras de cunho eleitoral. A verdade é que essas proibições de nada adiantam. O que deveria ser punido está à solta. Os verdadeiros ladrões tem a lei ao seu lado. Enquanto os que não tem certos privilégios vivem assim, sem poder. Digo o poder de posse, o poder de fogo, o poder da liberdade, o poder que permite fazer. E embora esse meu dilema tenha um certo tom de esquerda, talvez anárquico, não escrevo intuitando mudar o mundo; sem esse tipo de pretensão. Tudo que quero é sentar na grama, dormir no parque, correr completamente nu em plena rua; quero beber segunda-feira, trabalhar domingo, quero ser. Sem inibições.

É pedir muito?

terça-feira, 22 de setembro de 2009

escrito pra você.

Ultimamente me tem faltado tesão. Esse seu veneno viciante que suga e quase mata me tira as forças, me nega o sentir que há no prazer. Se fui mesmo o maior dos seus casos, o entrelaçar de braços que nunca esqueceu, onde é que foi parar a simplicidade desse amor? Não nos resta ao menos o trocar de olhares. O tocar de mãos. Me lembro de cada detalhe do seu rosto sorrindo, de cada detalhe do menor gesto seu. Sinto o gosto de seu perfume, vejo o suor de sua pele. Me lembro, em cada detalhe, daquela grade de portão, feito muro; feito ponte. Grade que nos unia sem nos unificar. Ainda estávamos ali, de pronto, prontos pra ceder ao fervor e à paixão. Não o fizemos. Parados nos amamos. E foi então que tudo se perdeu. Tento arrancar você de mim e, frustrado, admito te fazer em cada coisa que sou capaz de ver e viver e sentir e amar e odiar e tornar a amar. Chegam a me faltar ausências. É você a minha saudade. Essa doença que te sobra, te faz louca. Louca de loucura e de lucidez. Louca quando teme a entrega e depois se entrega e renega e se vai. Te ter como forma viva de amor se tornou pra mim algo atemporal. Você é o presente que caminha em direção ao futuro. É lá, onde vai estar. Você é o ontem. O hoje. É o amanhã. Amanhã? Depois? Um ano? Ou dez? Pouco me importa. O que me releva, o que me eleva sem deixar cair à beira do silêncio que se fez precipício é a certeza de que sua lucidez vai passar a ser somente lúcida e ficaremos juntos. Sempre. E é assim que não me deixo explodir de tanta agonia. E é assim que sinto você mais perto de mim, outra vez.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

folha seca.

Veio a primeira gota.
Mais um fim de inverno seco.
Os ventos trazem consigo os ares de esperança vindos da primavera.
A chuva me toca, me deseja amar,
cada parte.
Inundado eu estava.
Inundado de lembranças.
Sinto a nostalgia nítida,
a ponto de tocá-la com as próprias mãos,
no fechar dos olhos.
Anos à frente, cá estou.
É como um flashback.
Vejo o amanhã, no ontem.
Sustento meu corpo cansado,
farto de viver em um mundo
em que minh'alma não quer freqüentar.
A insônia me toma,
a solidão vem.
Na boca o gosto forte de café e tabaco
se fazem um enquanto me faço dois.
Apenas eu.
No princípio intimista da realidade recriada
me preparo para o entrar da nova estação.
Agora quero ser um só,
quero ser só um.
Eu e você.
Tomar seu corpo, ser seu corpo.
Te sentir assim, em mim.
De volta ao presente, cá estou.
E... pronto.
Você se foi,
feito folha seca de outono,
pelos ares.
Sem rota.
Sem volta.

Volta.

domingo, 20 de setembro de 2009

água.

Lá quero ser eu o chão que pisa,
depois cospe e torna a pisar?
Como posso querer curar essa demência que te vive
e me mata aos poucos?
É pouco.
Já não satisfaz.
A carne crua que te reveste a pele não alimenta.
Não me mata a fome,
de homem.
O suor que te escorre por dentro não mata a sede.
Queria ao menos um gole.
Estou sedenta,
de amor.

facetas.

Suscito-me em pensamentos e sentimentos,
assim bem sucinto.
Só eu.
Permito ideias,
renego impulsos,
sofro certas transformações.

Jogo-me na esquina,
ao cair da madrugada,
é lá onde sempre estou.
Ali.
Jogado, caído, ao chão.
Como quem foge da realidade
transporto-me nas variantes
do estado de 'ser'.
Sou a possibilidade da alternativa
em forma viva de representar.
Sou o encontro da paz ao caótico.
Sou o ator em palco.
O palhaço de circo.
O mendigo na sargeta.
Sou em perspectivas,
em várias dimensões.
Descubro-me em cada parte,
junto os pedaços,
vejo-me assim.

Um caco.