quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

fuga.

Pensei em várias formas de fazer aquilo. Chovia lá fora, fazia um certo frio, era tudo como eu havia planejado. Quando estava prestes a concretizar, olhei pra trás e, pelo vidro, o vidro de uma porta que liga a sala à varanda do apartamento onde vivo, vi a minha mãe. Estava sentada no sofá, parecia calma, seus lábios não eram dos mais felizes, mas trazia esperança naqueles olhos verdes. Não tive coragem. Por ela. Porque ela me fez pensar no sofrimento que eu causaria. À ela. E à menina de olhos castanhos, tão esperançosos quanto os seus. Não tive coragem. Seria como dizer, -é o fim, não consigo, não sou boa o suficiente pra isso. É que às vezes me desespero. E não consigo achar outra saída. Não que eu não quisesse mais acordar. Eu só queria dormir. Em paz. E talvez fosse aquele o único jeito.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

abertura.

Eu queria tapar o buraco. Digo, o buraco das verdades amargas que me habitam. Elas moram mesmo em mim. E não há ninguém nesse mundo que as conheça. Porque ficam dentro. E só o que deixo que vejam é o que fica fora. É como uma casa. A fachada parece normal. A cor é das bem coloridas. E o muro, ah o muro, ele esconde. Tudo. É alto demais pra que possam escalar e, se o fizessem, acabariam num choque. Porque eu, eu sou o interior dessa casa. Eu sou o que ninguém pode ver. Eu me escondo. Em fachadas. Mentiras. Ilusões. E muros altos. Eu me cerco. Por cores. Exteriores. Preguiça. E oposição. Eu queria tapar o buraco. Digo, o buraco das verdades amargas que me habitam. Elas moram mesmo em mim. E eu já tentei me conhecer pra todo mundo nesse mundo. Tentei ser de muitas formas. Mas nunca fui. Porque eu não me deixei. E começo a ver isso agora. Usei das pessoas. Pra tentar tapar esse buraco. Sempre tinha alguém que servia pra alguma coisa. É feio dizer isso. Mas ah, já fiz tanta coisa feia nessa vida. É a verdade, as pessoas serviam pra alguma coisa. E na maioria, serviam pra esconder de mim mesma essas tais verdades. As amargas, que me habitam. Porque se eu significasse algo pra alguém, queria dizer que eu tinha um significado. Sabe quando a gente se sente como se faltasse uma parte? Sabe quando a gente se sente alguém que vivo ou morto, bonito ou feio, magro ou gordo, em nada importa? Era assim que eu me sentia. Alguém-que-não-faz-a-menor-diferença. Nossa, isso tá ficando confuso. Então deixa eu voltar ao ponto, se eu significasse algo pra alguém, quer dizer que eu tenho um significado. Certo? Então eu usava das pessoas, queria que elas me vissem em algum valor, vivo ou morto, bonito ou feio, gordo ou magro, pra que eu também me visse assim. Era urgente que eu me encontrasse. Foi ai que comecei a denominar cada pessoa. E cada um, isso eu digo com certeza, servia como proteção. Pra tapar o buraco. Mas é que eles deixavam sempre uma fresta e eu sou pouco satisfeita com coisa pouca. Então resolvi. Melhor mesmo é deixar o buraco aberto. Digo, o das verdades amargas que me habitam. Porque pensei, -pelo menos são verdades. Chega de mentir. Chega de tentar me esconder. Atrás de muros. Atrás das pessoas. Eu resolvi deixar com que as verdades saíssem de lá. Do buraco. E eu estou me acostumando com isso. Digo, comigo. Eu começo a achar que as mentiras eram o que amargava. E começo a ter a certeza de que sou eu quem precisa achar um significado do meu eu. E eu não significo em vivo ou morto, bonito ou feio, gordo ou magro. Eu significo em virtudes. Eu significo em mim. Eu me habito em mim. Eu nunca fui tão eu.

o vaso.

Eu estava na igreja quando tudo aconteceu. Uma mulher pediu para que eu imaginasse um vaso. Fechei meus olhos e... imaginei. Um vaso cinza. Remendado. E sem vida. E dentro dele tinha uma flor. Era uma rosa. Só que preta. E murcha. E cheia de espinhos. E sem vida. Depois, essa mesma mulher, a que me tinha mandado imaginar, me fazendo ser como uma criança, disse que eu era aquele vaso. Nessa hora despontei uma lágrima. E duas. E um choro sem fim. E vou dizer, se eu era aquele vaso, se eu era o que eu podia imaginar, quer dizer que eu sou cinza? E remendada? E sem vida? Quer dizer que se eu for como aquela flor eu sou murcha? E cheia de espinhos? E de novo sem vida? Quer dizer. Eu sou exatamente o retrato daquilo que penso ser. Eu sou aquele vaso. E a minha alma é aquela flor.

sábado, 16 de janeiro de 2010

doçura.

Hoje eu senti uma coisa. E foi diferente. Era doce. Eu tinha me acostumado com coisas amargas. Até o meu café é sem açúcar. Enfim. Era doce. Acho que eu senti o gosto da felicidade. Mas não posso dizer se era. Eu penso que sim. Felicidade é doce. Ou não? Mas que coisa chata. Como é que eu não sei se era ou não felicidade? Devia ser um gosto com gosto comum. Como o gosto de um chocolate. Eu sei que é chocalate assim que coloco na boca. Mas não sei se era mesmo felicidade. Porque foi diferente. Eu não conhecia esse gosto. E sabe que gostei? Vou procurar sentir isso sempre. Eu ando amarga como o meu café. Vou procurar ser doce. Pra ser feliz.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

confissão.

Eu queria conseguir descrever aquela sensação. Foi instantânea à minha entrada. Uma fenda separava o que ficava dentro do que ficava fora. E eu ali, na parte de dentro da coisa. Acima eu não via, mas sabia que havia cordas que sustentavam até 300 kilos. 'Estou só aqui e, afinal, meu corpo não pesa tanto', pensei tentando ficar um pouco mais confortável. E a porta se fechou. Eu respirava acelerado, os batimentos do meu coração ameaçavam chegar a zero, eram lentos, bem fracos, eu rodava ao redor de mim mesma, inquieta, vendo imagens monstruosas se projetando no espelho, o tempo parara, eu podia ficar presa, as cordas podiam se arrebentar, e o ar me entrava forte, era como se eu puxasse com raiva temendo que acabasse, o pânico já me doía nesse momento, e nada, não chegava, 'por quê é que não peguei as escadas?', foi então que o choro começou, eu podia ouvir com clareza e vinha de um bebê, e depois o grito de uma mulher, impotente, assim como eu, e a voz de um homem dizendo que tinha chegado a sua hora de partir, era o que eu queria naquele instante, mas eu não tinha pra onde ir, tentei me esconder debaixo dos meus próprios braços, fechei os olhos em desespero, não queria ver tantas sombras e imagens e não queria que aquelas vozes continuassem, e elas não paravam, o choro agora distante, o grito ofegante, a voz ameaçadora e nada, parecia haver horas em que eu estava lá dentro e nada de décimo terceiro andar, eu agora suava frio, sentia minha pressão caindo por minhas pernas, como se me tivessem golpeado, estavam trêmulas, eu em choque, sentindo um aperto no peito e um medo e um pavor e eu queria sair dali e... finalmente. Chegou. Saí daquela caixa do terror e; toc, toc, toc. Entrei. Deitei-me. Tomada de insônia e dor. Desde então, dia a dia, minuto a minuto, me aumenta o pânico, de chuva e de carro e de gente e de água e de fogo e de claridade e de escuridão. Eu tenho medo do próprio medo. Não posso mais ficar só. Vigiam-me em tudo o que faço. Mas olhe só como é que as coisas são, logo agora, logo agora que eu começava a entender o que era ser livre. Logo agora que eu começava a gostar de mim. Não sei se me gosto. Não dessa maneira. Eu quero ter coragem. Pra enfrentar o que mais me amedronta. É que começo a ter medo de... viver.

desconsolo.

Tenho a sensação de ter morrido.
Tudo aqui é oco.
E cheira a podre.
E cheira a merda.
E tem cheiro de solidão.
.
Tenho a sensação de ter morrido.
Minha cabeça é oca.
E meu pensamento, podre.
Eu me sufoco em merda.
E tenho o cheiro da minha condição.
.
Tenho a sensãção de ter morrido.
Se é que vivo um dia fui.

e pra você, um sorriso.

De longe eu via, estava mesmo distante, não era a distância em metros, mas pensava em outro lugar. De alguma forma eu sabia onde estava aquela menina. Seus olhos molhados desejavam encontrar o que deixava a outra perdida. Tudo o que ela queria era arrancar um sorriso daquela moça, olhos fundos e tristeza nítida, a quem tanto amava. Eu sabia onde estava aquela menina. Porque a outra era eu. Estava no lugar onde moram os sonhos, sonhando em ver o dia em que eu a calma pudesse encontrar. E ela, não eu, a outra, me arranca sorrisos quando quer. Porque invade a minha alma de paz e fé. E embora discretos, digo tímidos, haja a tristeza que houver, esses sorrisos vão sempre estampar meu rosto. É uma forma de dizer que nunca vou desistir. É uma forma de dizer pr'aquela menina a quem tanto amo, que eu embora sinta-me em pleno fim, -resta-me ainda a vontade de continuar.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

eu insensível.

É uma força que me empurra pra baixo, não sei explicar como é, mas arrebata. Um desanimo que me pesa o corpo e eu não sei o que ainda posso fazer. A falta de vontade é só preliminar de mais um dia sem sentido. De mais uma noite sem sonhar. Eu busco crer. Tenho muita fé. Mas há horas em que as coisas não acontecem, o cheiro de café fresco já não vem, e tudo que eu queria era um pouco de ânimo pra continuar. Eu queria ser forte pra pensar que amanhã talvez seja melhor, mas só o que consigo é inundar-me em meio a indeferença. Em meio a culpa de não ter estado lá. Minha cabeça dói tanto! Minha memória é falha. Meus pensamentos se cortam por não conseguirem lembrar. Ah, estou farto de tanta apatia. E o que mais me incomoda é que eu queria querer. O que fosse. Mas até isso me mete medo. Talvez porque esse lugar aqui seja tão escuro e frio e sombrio que não deixa desejo algum entrar. Talvez porque... esse lugar é o meu coração.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

com apreço.

-para Luiza Paulino-

Eu acendi um cigarro outro dia e antes de cuspir o trago, ouvi, ''pare com isso menina, jogue isso fora'', e confesso que num primeiro momento achei aquilo uma afronta! Mas tá, parei pra pensar, ando fazendo muito isso ultimamente, essa coisa de parar pra pensar, chega de impulsão, enfim, parei pra pensar, e quer saber? Essa menina que me disse isso, essa menina é minha amiga. Mesmo. Porque amigo não é aquele que concorda com tudo o que a gente faz. Ele afronta. E mostra o melhor a ser feito. Eu pensava que amigos eram aqueles que sempre me diziam sim, eram esses os que mais me faziam rir e rir e chorar de tanto rir. Mas será mesmo que esses, os que nos-fazem-sentir-os-donos-do-mundo, será mesmo que eles são os amigos? Não acho que sejam. O amigo é aquele que diz, 'não'. É aquele que diz, 'não faça isso'. Aquele que diz, ' olha, vá por esse lado'. E o que eu quero dizer com essa ladainha toda, não é bem isso. Quero dizer, -obrigada. Pelas vezes em que me ensinou a ser mais sincera e mais humana e mais gentil. Pelas vezes em que fez cara feia pro meu copo de cerveja e pro meu cigarro. Pelas vezes em que condenou minha inconsequência. Obrigada pelas vezes em que me deu os ombros, fosse negando um pedido, fosse me ouvindo desabafar. Eu queria te dizer, -você me ensinou o significado da amizade. Te dizer, -você me fez ver que nem todos são iguais. Você é especial. Vejo a sinceridade nos seus olhos. E a confiança. E o afeto. E o carinho. E o amor. Quero-a sempre por perto, seja como for. Porque você me fez parar de procurar pegadas em rastros. Me fez seguir um caminho com direção.

domingo, 10 de janeiro de 2010

ânsia.

Eu quero alguém de olhos mudos.
Quero alguém de lábios surdos.
Alguém de ombros quentes.
Eu quero alguém de mãos frias.
.
Eu quero olhos que me deixem ser sem segredo.
Quero lábios que me deixem ser sem medo.
Ombros que me assegurem das mágoas.
Eu quero uma mão.
.
O que eu quero é o amor.
Quero que me olhe.
Que me deite.
Eu quero que me esquente.
.
Eu quero alguém que silencie meus olhos.
Quero que ensurdeça meus lábios.
Que me massageie os ombros.
Eu quero de novo sentir o toque.
.
Eu quero alguém que faça com que eu me sinta alguém.
Eu quero amar.
Quero ser de novo o que talvez não fui.
Eu.

sábado, 9 de janeiro de 2010

depois do inferno.

Eu andei pensando, sabe, sofrimento é uma coisa que não tá ali só por existir, ele existe pra arrancar um movimento que vem de dentro. Será que fui clara? Deixa eu tentar organizar isso. A coisa não pode ser simples, pura, única. Não é só uma questão de desprazer ou infelicidade ou pesar. O sofrimento tem é que trazer uma dor bem doída que é pra mexer na essência e tornar-se algo essencial. É mesmo preciso sofrer. A gente passa a dar valor ao que antes não tinha, sabe-se lá, é um exercício pensar nisso, vamos ver, o que eu antes não notava e passei a notar depois de um tormento? São tantas cores e cheiros e sabores. Nem eu sei enumerar. Eu só sei que hoje o céu parecia mais claro, as nuvens pareciam mais claras, o som dos pássaros parecia mais claro e que o cheiro disso tudo era azul. Sei que parece loucura, mas é só um pouco de concretude em meio a minha cabeça e minh'alma e meu corpo repletos de abstração.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

lembrete.

Do que as pessoas se esquecem é de que o amor não fica necessariamente ao lado da paixão. E de que os amigos, sim, são amantes.

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

aviso.

Dia desses eu sumo. Refugiar-me já não é o bastante. É que meus esconderijos foram todos descobertos.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

e assim por diante.

Ah, mais um ano. Eu acho engraçado essa coisa toda de festas e papapá, tudo pra dizer 'seja bem vindo ano novo'; 'paz, saúde, dinheiro no bolso'; e assim por diante. É que acabou-se um ano, eu ali, vendo TV, passava Retrospectiva 2009, e porra, vou dizer, não aconteceu sequer uma coisa boa no Brasil, no mundo, tirando que o Flamengo foi campeão, a torcida adorou, fazia tempo, mas nem isso eu comemorei, o resto, nada, mortes, acidentes, catástrofes, destruição, violência, corrupção, enfim, todo esse bloco que compõe os fatos, e o que eu acho engraçado, vou explicar, é que ao final do programa o apresentador, esqueci o nome dele, diz assim: 'um feliz 2010'. Quer dizer, ele quis dizer, 'que você tenha a sorte de não ser pauta desse programa', 'que tenha a sorte de ficar longe das telas, porque só o que mostramos são sofrimentos, só quem mostramos são vítimas'. E fim do programa. E da minha paciência também. É desumano isso sabe, só porque eu e você estamos vivos aqui, não quer dizer que tenhamos que comemorar. Comemorar o quê? Os tantos mortos que foram em nosso lugar? Comemorar a comida na mesa enquanto tantos outros passam esse ano, e vão passar o próximo, se sobreviverem, passando fome? Eu estou de saco cheio disso tudo! Podem me chamar de hipócrita, do escambal, mas eu não aguento mais essa rotina, bastam os dias, agora os anos, vamos lá, na ordem, reveillon e carnaval e ovos de chocolate e dia das crianças e Natal e de novo reveillon e papapá e assim por diante. Ai entrou o ano, começamos bem, mortos, soterrados, viajando, felizes, reunida a família, os amigos, isso me entristece, ficam passando pela minha cabeça as imagens, as cenas, parece tão real, e é mesmo triste, desesperador, tantos votos de felicidades há momentos atrás e depois isso, a casa cai, leva com ela todos os sonhos e a certeza de que 'tudo será melhor'. Então é isso, já fui pessimista e hipócrita e irônica demais por hoje. Um feliz 2010.