terça-feira, 10 de novembro de 2009

eu e ela.

Ela ainda estava ali, à porta, esperando pelo instante em que pudesse entrar. Entraria para dizer a verdade. Já se esgotara da mentira. Se preparou de forma a recordar. Pensou em todas as vezes em que mentiu. Omitiu. Traiu. Nas vezes em que se fez fantasia, mascarada. Lembrou-se do que diziam-lhe sobre o momento em que dormia. Sempre a disseram que, enquanto entregue aos sonhos, falava. Sim, conversava como quando desperta. Mas dormia. E nessas horas sempre dizia a verdade. Era esse o momento em que esquecia-se de mentir. Quando dormia. E o pior é que há tempos não sabia o que era dormir. Já nem sabia há quanto. Mas será possível, ela pensava, que não podia ser verdadeira de pé? Acordada? Precisava esvair-se do mundo, em sono profundo, pra que fosse ela? Não um personagem. Ela? Não se devia ser assim, ela concluía, alguém que se permite viver uma vida de mentiras em sol. Uma vida de verdades em lua. Queria mais. Queria ser ela, dela. E de mais ninguém. Queria amar quem fosse, a quem fosse. Aquém a qualquer opinião. Ao julgamento do credo. Queria deixar de querer convencer; de ser o que não era. E nem poderia. (Ouvindo passos vindos de dentro). Era agora, ela se encorajando, agora abriria aquela maldita porta e gritaria em calma o que lhe viesse. A quem lhe viesse. Faria com que a vissem. Queria se fazer enxergar em luz. Em claro clarão. (Ouve passos que se aproximam, vindos de dentro). Chegada a hora. (Chaves,...,tranca,...,fechadura, e... abriu!). -Era a porta de um espelho. Abrira pra si mesmo. Para ver-se. Contemplar-se. Entender-se. Faz um embaço, desenha letras de forma a construir-se. Identificar-se. Conhecer-se. Há tempos andava tão distante de si! Que já nem sabia há quanto. Quando dizia a mentira era quando lhe faltava o cansaço; quando dizia a verdade era quando lhe sobrava a insônia. Porque estava só. E já não precisava mentir. Omitir. Trair. E já não se precisava fazer em fantasia, mascarada. Porque ela? Ela era eu! E eu sabia disso agora! Era eu! O tempo todo fora. Eu. Mas será possível, pensei, que precisava esvair-me do mundo, em desespero profundo, pra que fosse eu? -Não um personagem. Eu? Não devo ser assim, eu concluindo, alguém que se permite viver uma vida de mentira em sol. Uma vida de verdade em lua. É pouco. Quero ser eu, somente eu. Não ela. Quero amar quem for, a quem for. Aquém a qualquer opinião. Quero deixar de querer convencer; ser eu o que não sou. E nem poderia. (Ouço passos, vindos de meus próprios pés). Era agora, eu me encorajando, agora fecharia aquela maldita porta e me acalmaria após gritar a mim. -Ei! Está vendo? Ouvindo? É você! Não tenha medo de si! Enfrente-se! Conheça-se! Permita-se! Seja si! Você pode enxergar em penumbras! Em plena escuridão! Deixe logo de criar-se e recrie-se! (Chaves, tranca, fechadura, e... fechei!). Ali, dentro daquela imagem, tranco o que antes só me sabia acompanhar. Dali, daquela antiga imagem, não posso ver-me. Nem poderia. É que sei, que se ali ficasse, estaria fora do limite. E nem teria margem. Só imagem. E isso não me basta. Quero imagem. Corpo em margem. Alma. E muita fé.

5 comentários:

  1. Pudera eu me conhecer e me encontrar assim! Perfeito isso!

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  2. "ser eu o que não sou. e nem poderia ser "

    como não pirar em ??

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  3. ''Não tenha medo de si! Enfrente-se! Conheça-se! Permita-se!'' adorei

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  4. Em sol e lua...como podemos ser tao diferentes?
    ''Seja si! Você pode enxergar em penumbras! Em plena escuridão!'' e voce tabem pode se encontrar e se conhecer na luz do sol,lembre-se disso!
    Muito bom!!!

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  5. Adorei.! uhuuu.. e eu tava lá quando você escreveu.! hehe

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