domingo, 9 de maio de 2010

dom de iludir.

Era uma noite fria, na cidade de Belo Horizonte, quando o telefone tocou.

-Alô.
-Quem fala?
-Alô? Alô?
-Oi, tá me ouvindo agora?
-Ah, sim, quem fala?
-Leo.
-Leo! É Alice, como vai?
-Sentindo a sua falta.
-Que tal um jantar?
-Tô sem grana.
-Aqui em casa mesmo, eu cozinho pra você.
-Assim, sim. Hoje?
-Hoje?
-Uhum.
-Oito e meia.

Era um rapaz decente, meia altura, olhos escuros, feito duas jaboticabas, muito pretos, e fundos, havia olheiras naqueles olhos, tamanho o cansaço, era consequência de seu trabalho, não gostava de ser chamado de carteiro, era um 'entregador de cartas' e, acredite, há muita diferença entre as duas profissões, enfim, andava por meio a cidade durante horas sem descanso, imaginando as milhares de histórias de amor que colocava nas caixas de correio, e a história dele? Ah, era uma luta, amava muito, uma menina que o considerava seu melhor amigo. Era Alice, jovem mulher, de apenas dezessete anos, (ele tinha dezenove), linda, cabelos ondulados, pele branca como neve e uma boca rosa-batom. Leo era perdidamente apaixonado por ela e, como não se viam há alguns dias, não esperava pelo telefonema de sua amada, não naquele dia, um dia comum, uma segunda-feira cheia de cartas de cobrança que, pelos envelopes, de cor bege, sem graça, não eram cartas de amor.
Pois bem, Leo desandou a preparar-se para o tal jantar. Se banhou em sais e óleos perfumados, penteou os cabelos e foi.

Oito e meia. (Toca a campainha).

-Quem é?
-Alice, sou eu, Leo.
-Pontual como sempre, não é meu querido? Já vou abrir.

Ao entrar sentiu logo o cheiro de carne assando no forno. A sala estava com a mesa posta e tinha velas enfeitando cada canto do local. Alice estava especialmente linda naquela noite. Vestia-se com um vestido simples, mas que caíra perfeitamente em seu corpo delgado e cheio de formas.

-Alice, você está linda.
-Ah, que bobagem Leo, assim você me deixa envergonhada.
-Não deveria ficar, está mesmo deslumbrante.
-Fome?
-Hum? ... ah sim, um pouco.
-Temos massa e carne. Já quer comer?
-Comer? Você?
-Como, eu?
- É, você.

E se beijaram. Tiraram as roupas um do outro instantâneamente e, quando a coisa estava para acontecer, houve uma pausa. Alice disse:

-Não posso.
-E por quê não?
-Não, não posso. Você é como um irmão.
-Mas eu te amo como minha mulher.

O silêncio se instalou e só o que se ouvia era a respiração ofegante de Leo, desesperado por não conseguir ter Alice por inteiro. Eles se olhavam fixamente, o carinho que sentiam atravessava pela alma nua e pelos corpos despidos dos dois.

-Alice, eu te amo. Quero você entregue a mim.
-Eu também te amo, Leo.
-Então por quê você não quer ficar comigo?
-Já disse que não posso.
-Hum. Vou embora.
-Já? Não quer provar o jantar?
-Eu vim pra me empanturrar de você. Se você não pode, só o que posso é me retirar.
-Mas Leo...
-Não, Alice, estou cansado desse seu jogo de quer-não-me-quer.
-Desculpe, é que, eu...
-Não peça desculpas. Só me ligue se me quiser de verdade. De corpo inteiro.
-Não posso ficar sem você.
-Chega Alice, chega. É melhor que eu vá.

E Leo se foi. Chegou em casa, fez um drink, acendeu um cigarro e começou a escrever. Escreveu centenas de palavras soltas e sem o menor nexo num papel surrado. Pegou um desses envelopes de cor bege, sem graça, e colocou aquilo lá. No dia seguinte, foi para o trabalho, levando consigo o que havia escrito. E pra quê? Para colocar em uma das caixas de correio, no lugar das cartas-cobrança que tinha que entregar. Era a sua esperança de ser correspondido, só o que ele queria era um bilhete que dissesse sim ao amor que ele estava disposto a dar. Mas não. Leo não recebeu resposta. Nem de sua carta, nem de sua Alice. -Onde é que você está, Alice? Pensou. Mas já era tarde e ele não tinha mais fôlego pra pensar no amor. Porque o amor, o amor demanda fôlego. E, sem amor, para ele, era difícil respirar.

O rapaz nunca deixou de escrever 'cartas pra ninguém'. Todos os dias colocava um envelope com seus escritos numa caixa de correio, sonhando em viver um grande amor. É uma pena, mas, pelo que sei, ele nunca encontrou respostas. 

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